*Celso Lungaretti
De um lado, o "Cansei" da OAB. Do outro, o "Cansamos" da CUT. E os cidadãos brasileiros, que carregam o cansaço de décadas e séculos perdidos, onde ficam? Assistindo à briga de cachorro grande, sem se comprometerem. Desta vez, até que com razão. As vaias ao presidente Lula na abertura do Pan e a tragédia de Congonhas foram superdimensionadas pela direita golpista que viceja na Internet e pela direita engravatada da grande imprensa. Os panfletos virtuais circularam como nunca e atingiram o grau máximo de radicalização verbal, enquanto os posts nas comunidades de discussão política fervilhavam de indignação. E na mídia escrita (principalmente) o viés do noticiário e editoriais começou a evocar a informação distorcida e os "chega!", "basta!" e "fora!" que antecederam o golpe militar de 1964. No entanto, seria um erro igualar o eternamente conspirador Grupo Guararapes com, p. ex., O Estado de S. Paulo - embora um editorial infeliz do jornalão tenha causado calafrios em quem ainda se lembra do papel por ele desempenhado na última virada de mesa institucional. A direita radical que jamais engoliu a redemocratização do País e os neo-integralistas por ela formados apostam mesmo todas as fichas numa nova quartelada. As pregações golpistas daí advindas há muito ultrapassaram os limites da legalidade e deveriam ser coibidas, com a imputação penal de quem espalha por toda a Web exortações sediciosas do tipo "militares no poder já!". A grande imprensa, no entanto, mais reverbera a insatisfação da classe média e a amplifica. Ou seja, faz uma média com seu público-alvo e dá uma força para os principais partidos de oposição, o PSDB e o DEM. O Lula estava certo ao dizer que são apenas os primeiros movimentos da campanha eleitoral de 2010, mas logo depois voltou à retórica oportunista sobre os endinheirados que não suportam ver um torneiro-mecânico no poder... Espertamente, os petistas estão procurando reaproximar-se dos cidadãos idealistas que lutaram a seu lado contra a ditadura e foram se distanciando à medida que o partido abandonava suas bandeiras históricas. Utilizam o mal maior - a ameaça de recaída autoritária - como espantalho para tangê-los de volta ao redil. Então, o posicionamento mais lúcido acaba sendo o de quantos estão apontando a guerra dos cansados como uma mera disputa de poder entre dois segmentos da elite que, no essencial, convergem: ambos mantêm a mesma fidelidade canina ao capitalismo globalizado, tanto que a política econômica de FHC vige até hoje. A diferença se dá apenas nos detalhes, como o de que um é mais inclemente e o outro prefere colher os dividendos eleitorais do assistencialismo. Quem não faz parte da elite nem é dela caudatário, tem todos os motivos para defender a democracia se e quando ela estiver realmente ameaçada, mas nenhum para servir de peão no tabuleiro político em que se defrontam os responsáveis pelo cansaço nacional.
*jornalista e escritor, ex-preso político e autor do livro "Náufrago da Utopia".
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