21 novembro 2013

Olívio Dutra considera justa a prisão dos mensaleiros.

Petista afirma que respeita a decisão do ministro Joaquim Barbosa

Jimmy Azevedo
FREDY VIEIRA/JC
‘Não deveria ser diferente. O PT não pode ser jogado na vala comum’
‘Não deveria ser diferente. O PT não pode ser jogado na vala comum’
Destoando do discurso de lideranças petistas, intelectuais de esquerda e juristas, o ex-governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra não acredita que houve cunho político na condenação e na prisão dos correligionários José Genoino, José Dirceu e Delúbio Soares, detidos, na semana passada, pelo escândalo do mensalão durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Funcionou o que deveria funcionar. O STF (Supremo Tribunal Federal) julgou e a Justiça determinou a prisão, cumpra-se a lei”, analisa o ex-presidente estadual e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT).
No entendimento de Olívio Dutra, o desfecho da Ação Penal 470, conhecida popularmente como mensalão, foi uma resposta aos processos de corrupção que, historicamente, permeiam a política nacional, independentemente de partidos.

Sobre a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, de ordenar a prisão dos réus no processo sobre a compra de parlamentares por dirigentes petistas para a aprovação de projetos do governo Lula, Olívio disse que cada instituição tem seu funcionamento. “Até pode ser questionado, mas as instituições têm seus funcionamentos. O que não se pode admitir é o toma-lá-dá-cá nas práticas dos mensalões de todos os partidos, nas quais figuras do PT participaram”, avalia o petista histórico. O ex-governador gaúcho reitera que tem respeito à história de lutas de José Dirceu e Genoino, mas que em nada o passado de combate à ditadura militar abona qualquer tipo de conduta ilícita. “Há personalidades que fazem política por cima das instancias partidárias e seguem seus próprios atalhos. Respeito a biografia passada dessas figuras que lutaram contra a ditadura, mas (a corrupção) é uma conduta que não pode se ver como correta”, critica.

Ironicamente, Olívio Dutra, então ministro das Cidades de Lula, foi isolado por políticos fortes no governo, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, ainda antes do escândalo do mensalão vir à tona.

Em julho de 2005, Olívio é retirado da pasta para dar lugar a Márcio Fortes, do Partido Progressista (PP), sigla também envolvida no escândalo de corrupção. Olívio diz que o PT está acima de indivíduos, e acredita que se fez justiça no caso de corrupção.

“Não deveria ser diferente (sobre as condenações e prisões). Um partido como o PT não pode ser jogado na vala comum com atitudes como esta. Com todo o respeito que essas figuras têm, mas não é o passado que está em jogo, é o presente, e eles se conduziram mal, envolveram o partido. O sujeito coletivo do PT não pode ser reduzido em virtude dessas condutas. O PT surgiu para transformar a política de baixo para cima. Eu não os considero presos políticos, foram julgados e agora estão cumprindo pena por condutas políticas”, dispara o líder petista.

‘Nunca se governa em condições ideais’, avalia o ex-governador

Distante da vida política, mas a par da vida partidária do PT estadual e nacional, o ex-governador gaúcho Olívio Dutra dedica os dias à família e aos estudos de Latim na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Formado em Letras pela Ufrgs, Olívio pediu reingresso para aproveitar cadeiras não cursadas. Além disso, ocupa o tempo em livrarias da cidade, bem como em espetáculos culturais, gosto que fez com que ele se integrasse à Associação Amigos do Theatro São Pedro.

Ovacionado em eventos públicos pela militância petista e integrantes de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Olívio faz uma análise da conjuntura atual e os cenários para que o PT consiga reeleger o projeto de Tarso Genro.

Para o Galo Missioneiro, apelido dado por admiradores, o distanciamento de forças políticas, tais como o PDT e o PSB, do governo Tarso Genro é algo natural em vésperas de eleição eleitoral, ainda mais pela conjuntura. O PSB, por exemplo, terá provavelmente o governador pernambucano Eduardo Campos como candidato à presidência da República na disputa contra a presidente Dilma Rousseff (PT).

No Estado, os socialistas não descartam a possibilidade, inclusive, de uma aliança com o Partido Progressista (ex-Arena) na candidatura da senadora Ana Amélia Lemos ao Palácio Piratini, ou com o PMDB, que poderá lançar o ex-prefeito de Caxias do Sul José Ivo Sartori.

“A candidatura própria do PDT é uma hipótese ainda. O fato de os partidos tomarem outros rumos antes do pleito não é novidade. As forças se estremecem quando se aproxima a eleição. Mas isso não é o ideal no campo democrático popular”, analisa Olívio.

O ex-governador entende, no entanto, que nunca se governa em situação tranquila, pois há interesses pessoais e partidários distintos dentro do tabuleiro político. “Os governos (Dilma e Tarso) fazem um grande esforço para o funcionamento da máquina pública em prol da sociedade, não como projeto pessoal, para atender à maioria do povo. Nunca se terá condições ideais, claro, pois há uma pressão enorme dos poderosos.”

Quando esteve no Palácio Piratini (1999-2002), seu governo foi alvo de uma CPI sobre uma suposta relação com o jogo do bicho. O Ministério Público não aceitou as acusações e decidiu não denunciar o petista e outros citados. A primeira gestão petista no Piratini também foi criticada por setores contrários à reforma agrária e à implementação de políticas de desenvolvimento social.

Na avaliação do governo Tarso Genro, o petista acredita que tem tido avanço nas questões sociais e na consolidação de políticas apresentadas. “O governo pode fazer mais e melhor na execução de um programa. Nunca se governa em situação ideal. Há muito o que fazer para um projeto de desenvolvimento sustentável. Por isso, defendo a reeleição”, disse Olívio, que também reiterou não desejar mais ser candidato a cargos públicos.

‘Há um clima de revolta muito grande’, avaliam deputados após visita aos condenados detidos

Uma comitiva formada por 26 deputados federais do PT visitou na tarde de ontem alguns presos do processo do mensalão, instalados no Complexo Penitenciário da Papuda. O encontro durou cerca de 30 minutos e aconteceu em sala reservada para a conversa. Estavam presentes o deputado licenciado José Genoino (PT), José Dirceu (PT), Delúbio Soares (PT) e Romeu Queiroz (ex-PTB).

“O que notamos é um clima de revolta muito grande pelas circunstâncias em que a prisão ocorreu, completamente ao arrepio da legislação, aos procedimentos (...) normais”, afirmou o deputado federal Nelson Pellegrino (PT-BA). Entre os parlamentares que visitaram os presos, estavam o gaúcho Marco Maia, além de Iriny Lopes (ES), Fátima Bezerra (RN) e Vicentinho (SP).

Em nome dos demais petistas, Pellegrino afirmou que não houve críticas às condições da prisão, embora haja uma preocupação sobre a situação da saúde de Genoino. “Até agora, as juntas médicas atestaram a gravidade da situação do deputado Genoino e atestaram que ele não pode estar custodiado aqui nesta unidade. Esta unidade não tem sequer um sistema de emergência”, reclamou, afirmando ainda ser precária a situação do colega.

Pouco depois da visita, houve discussão entre manifestantes do PT e mulheres que aguardavam desde a manhã o momento de visitar filhos e maridos no complexo da Papuda, cuja entrada só será permitida a partir da manhã de hoje. Elas começaram a gritar frases como “puxa-saco de ladrão” para os deputados. 

17 novembro 2013

As duas prisões de José Dirceu.

Felipe Demier(blog da cst)

“Mas aquele que blasfemar contra o Espírito Santo não terá, para sempre, perdão, visto que é réu de pecado eterno.” (Matheus 3:29)
Às vésperas do aniversário da República, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou a prisão de José Dirceu, entre outros condenados pelo chamado “crime do mensalão”. Ao se apresentar na sede da Polícia Federal em Brasília, o ex-dirigente máximo do Partido dos Trabalhadores (PT) ergueu o punho cerrado, repetindo, assim, o gesto que ele próprio fizera, algemado, antes de embarcar, em setembro de 1969, num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) – que conduziria para o México os militantes de esquerda trocados pelo embaixador norte-americano (sequestrado pela guerrilha antiditatorial brasileira). Mas o José Dirceu preso em 2013 não é senão uma caricatura daquele de 1969. O gesto permaneceu, mas o homem mudou, e muito.
Dirceu fora preso em 1968, em Ibiúna, interior de São Paulo, quando da fracassada tentativa de realização do XXX Congresso da União Brasileira dos Estudantes (UNE). Trocado pelo embaixador norte-americano, foi banido do país e buscou asilo em Cuba. Corajosamente, voltou em 1971, no fastígio da ditadura empresarial-militar, e viveu aqui clandestinamente por cerca de oito anos (tendo retornado a Cuba nesse meio tempo para fazer uma cirurgia plástica que melhor o disfarçasse dosgendarmes brasileiros). Com a anistia, em 1979, assumiu sua verdadeira identidade e se engajou na formação do PT. Dirceu foi, assim, um dos responsáveis pela construção daquela que foi, durante aproximadamente uma década, uma poderosa ferramenta política de luta do proletariado brasileiro. Portador de distintas concepções programáticas (reformistas e revolucionárias, grosso modo), mas unificado em torno das práticas cotidianas, o PT desempenhou na década de 1980 o papel de condutor e organizador político das lutas dos trabalhadores do país.
Fiel ao seu nascedouro, o partido era alimentado e alimentava as principais mobilizações operárias do país, carregando sempre as bandeiras da independência de classe dos trabalhadores e do fim da ditadura militar (1964-1985). Diretamente responsável pela fundação, em 1983, da maior central sindical da história do país, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o PT mantinha também ligações orgânicas com a reorganização dos trabalhadores do campo, que se traduziria na criação, em 1984, do movimento dos trabalhadores rurais sem-terra, o MST. Depois de quase duas décadas, importantes setores das massas trabalhadoras da cidade e do campo acordavam do pesadelo iniciado em 1964. Entretanto, nessa nova fase de seus combates os trabalhadores brasileiros contavam com um instrumento político incomparavelmente superior às que possuíram na etapa populista.
Por mais que entre os defensores de uma feição reformista para o PT, como Dirceu, existissem aqueles mais suscetíveis às pressões do Estado capitalista, durante quase toda a década de 1980 o partido manteve seu eixo eleitoral-parlamentar subordinado à sua atuação no movimento operário-popular. Isso significa dizer que a participação do PT nos processos eleitorais se realizava como uma forma de expressão, na esfera institucional, das demandas do movimento popular organizado. As políticas defendidas pelos candidatos petistas possuíam um forte lastro com as propostas defendidas pelos setores mais conscientes da classe trabalhadora. A prática política do PT se ancorava, portanto, na atuação de seus militantes junto aos trabalhadores, que naquele momento avançavam qualitativamente em sua organização sindical e política. Assim, os cargos públicos obtidos pelos candidatos do partido eram encarados como mandatos pertencentes aos setores populares que organizadamente haviam construído as candidaturas de suas lideranças sociais e políticas. Diferentemente do que ocorreria depois, os organismos de base do partido gozavam de um relativo controle sobre os parlamentares eleitos, o que diminuía consideravelmente as chances de que estes últimos se “autonomizassem” das bandeiras políticas com as quais haviam se eleito e adotassem as práticas de congraçamento que imperavam (e imperam) no Congresso Nacional, como o “mensalão” (certamente não inventado pelo PT). Nos anos 1980, não foram poucos os burgueses e seus prepostos políticos que perderam noites de sono em função do PT. Provavelmente, Dirceu estava entre os protagonistas dos pesadelos noturnos.
As eleições municipais de 1988 começariam a alterar significativamente a natureza e o funcionamento do partido. Além de aumentar em seis vezes o número de vereadores eleitos em 1982, o PT elegeu seus candidatos em 36 prefeituras. Contudo, pela primeira vez, o PT conquistava prefeituras de peso e visibilidade nacional, como as de Porto Alegre (RS), Vitória (ES) e São Paulo (SP), a maior cidade da América do Sul.[1] Ampliavam-se consideravelmente as áreas de fronteiras do partido com o Estado. Ocupando postos executivos, PT experimentava agora o papel de administrador das instituições republicanas brasileiras, e via-se imerso em estruturas historicamente consolidadas por negociatas, corrupção e outras práticas de governo do capitalismo. Por detrás do sonho dos reformistas do PT, liderados por Dirceu, de implementar uma “outra forma de governar” (o modo petista de governar), iniciava-se, de forma localizada, a experiência do PT como gerente do capitalismo brasileiro, posição que o partido ocupa, desde 2003, em âmbito nacional. O aumento significativo das zonas de interseção entre o PT e o Estado brasileiro se constituiu no principal fator da degeneração partidária. Iniciada substancialmente nas eleições municipais de 1988, a ocupação de postos e cargos públicos pelos dirigentes petistas estendeu-se em nível estadual ao longo da década seguinte, aumentando a dependência material do partido perante o Estado capitalista. A administração de recursos financeiros do Estado por parte de dirigentes petistas, em grande parte adeptos de concepções não-revolucionárias, criou as condições propícias à formação de uma camarilha burocrática, liderada por Lula e Dirceu. Centenas, e depois milhares de militantes, foram afastados de seus locais de atuação (fábricas, escolas, bancos, hospitais etc.) e absorvidos por gabinetes parlamentares e secretarias públicas. Reuniões e acordos com empresários e banqueiros tornaram-se suas novas tarefas. Surgiu, como declarou César Benjamin, um contexto “muito favorável à burocratização, cuja lógica capturou milhares de quadros: parlamentares, prefeitos, assessores, ou pessoas desejosas de vir a ser parlamentares, prefeitos e assessores”.[2]
O aumento de arrecadação do partido, acarretado pela sua imbricação com as instituições estatais (contribuição dos parlamentares, doações burguesas etc.), ao mesmo tempo em que proporcionava uma extensão e maior eficácia das tarefas cotidianas da militância, deixava muito claro de onde provinham os recursos que permitiam esse salto organizativo. Os reformistas liderados por Dirceu, que sempre tiveram a faca na mão, tinham agora também o queijo, do qual poderiam fazer uso das fatias para cooptar parcela substantiva dos militantes. Na disputa entre revolucionários e reformistas no interior do PT, os últimos começaram a adquirir, a partir de 1988, as condições materiais que lhes proporcionariam, em breve, a vitória final. Colhiam os frutos, sozinhos e a seu modo, dos faustos eleitorais construídos por toda a militância no dia-a-dia junto à classe trabalhadora. Somaram-se a essa inserção do partido no aparato estatal brasileiro outros aspectos que contribuíram para a inflexão política sofrida pelo PT, os quais, por razões de espaço, não poderemos discutir aqui.[3]
Em 1992, um PT já significativamente adulterado em relação ao seu conteúdo original enfrentaria seu primeiro grande teste político. Quando as massas juvenis saíram às ruas para derrubar Fernando Collor de Mello, e quando sua queda era quase inevitável, a direção petista, com Dirceu à frente, encarregou-se de se mostrar como alicerce da institucionalidade democrático-liberal, defendendo a posse do Vice-Presidente Itamar Franco, apresentando, assim, limites claros ao movimento contestatório. Não satisfeitos, Dirceu e cia. não hesitaram em expulsar a Convergência Socialista (CS) devido ao “grave crime” cometido pela corrente: defender o “Fora Collor” quando a direção do PT ainda não havia aderido a esta bandeira. Em termos históricos (no que se refere à história do Partido dos Trabalhadores), tal expulsão significou o início de um processo de exclusão dos setores militantes que não mais poderiam ser tolerados por um PT que se tornava a cada dia mais adaptado à ordem do capital. Esse processo de expurgo teria fim pouco mais de dez anos depois com a expulsão dos “radicais”, desta vez pelo também “grave crime” de terem votado contra a reforma neoliberal da Previdência levada a cabo pelo governo Lula em 2003. No meio do caminho (isto é, entre 1992-2003), muitas correntes e elementos da esquerda partidária ou se afastaram do partido, ou se adaptaram também ao aparato estatal e subordinaram-se à cúpula dirigente comandada por Dirceu.
Dirceu foi, assim, um dos principais responsáveis tanto pela construção do PT, quanto pela sua degeneração em um “partido da ordem” executor de contrarreformas, as quais vêm incontinentemente atacando os direitos dos trabalhadores. Dirceu, portanto, é culpado (sem direito aos tais “embargos infringentes”) por ter conduzido a expropriação da classe trabalhadora de sua mais importante ferramenta política na história republicana brasileira. Dirceu prestou, com isso, um inestimável serviço à burguesia brasileira. Quando girou o PT à direita nos anos 1990, e quando se apresentou, anteontem, na sede da Polícia Federal, ele já não era mais o arguto garoto de Ibiúna, nem tampouco o intrépido revolucionário que escapava pelas ruas de São Paulo e do Paraná das mãos dos sádicos torturadores e assassinos financiados pelo empresariado nacional e internacional. Dirceu já era, já é, outro, e, do ponto de vista da esquerda socialista, se tornou indefensável. Não cabe recurso.
Ocorre, entretanto, que foi não o transformismo do PT[4] o crime pelo qual Dirceu foi parar atrás das grades nesse aniversário da República. Do mesmo modo, não parece ter sido o seu envolvimento em atividades ilícitas e corruptas o real motivo de sua condenação pelo STF, composto de insignes figuras como Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Afinal de contas, o tribunal em questão já absolveu ilibados políticos como Collor e Malluf (aliados atuais do PT, vale apontar), nada fez a respeito dos obscuros processos de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso e, não satisfeito, já anunciou que não vai anular a votação da reforma da Previdência, a qual, segundo o próprio tribunal, foi aprovada de forma fraudulenta. É como agarrar o ladrão, prendê-lo, mas deixá-lo em posse do dinheiro que roubara da vítima. Incrível a dialética jurídica do STF…
A nosso ver, Dirceu está pagando pelo crime de, uma vez encerrado o transformismo do PT, ter sido o principal criador e timoneiro de uma monstruosa máquina partidária capaz de gerir o capitalismo brasileiro melhor, e mais seguramente, do que as próprias representações políticas tradicionais da burguesia brasileira, máquina essa que, por isso, se tornou quase invencível no jogo eleitoral da democracia liberal. Ex-guerrilheiro, vindo “de fora” dos círculos dominantes, no melhor estilo outsider, Dirceu, para garantir o sono tranquilo da burguesia brasileira, deu um golpe de mestre nos partidos políticos que essa mesma burguesia brasileira criara. Ao seguir pagando religiosamente a dívida externa, reproduzindo a concentração de renda, freando a reforma agrária e esfacelando os serviços públicos e direitos sociais (para garantir a taxa de lucro das grandes corporações financeiras, industriais e do agronegócio), o PT fez do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) uma oposição sem programa e sem sentido. Parafraseando o Marx, pode-se dizer que é triste o partido que, na oposição, vê o seu programa ser implementado pelo adversário. Contudo, por estratégia de dominação social num país que contava com índices obscenos de desemprego, o PT, ao aceder ao governo federal, aumentou o crédito para o mercado consumidor, ampliou significativamente a distribuição de migalhas via bolsa-família e abriu concursos públicos, angariando, com tais medidas, um alargamento de sua base social-eleitoral. Do ponto de vista do próprio capital, não há, racionalmente, melhor forma de gestão da ordem capitalista contrarreformista.
Contudo, se Dirceu logrou conquistar para o PT o apoio do grande capital (que nos pleitos eleitorais financia mais este partido do que seus concorrentes – convém assinalar), parece não ter sido perdoado pelos chefes políticos da burguesia e seus aliados midiáticos. Vertebrado subjetivamente pelos editoriais jornalísticos, o burguês comum, tomado isoladamente, com sua mentalidade tacanha e mesquinha, não é capaz de uma visão política estratégica para sua classe, e não se reconhece na figura de um administrador de “esquerda” do capitalismo, que outrora pegou em armas contra o Estado e que, há relativamente pouco tempo, empunhava bandeiras vermelhas e defendia greves. O burguês ordinário porta-se, assim, com José Dirceu tal qual um nobre o faz com um arrivista plebeu que cativou o coração de sua bela filha: não havendo opção, o galante pode até ser aceito na casa, mas não é da família e, na primeira crise conjugal, há que ser posto pra fora de onde nunca deveria ter entrado. Por mais que tenha prestado enormes serviços à burguesia brasileira, Dirceu não é um lídimo filho dela e, do mesmo modo que uma empregada doméstica pode até jantar na mesa da sala, mas não deve dar pitacos nas temáticas encetadas na refeição, Dirceu não deveria ter ousado mostrar aos políticos da classe dominante como realmente se defende os interesses desta. Esperto, capaz e jactancioso, Dirceu talvez tenha ido longe demais nos serviços prestados à nossa oligárquica burguesia.
Assim, pela segunda vez em sua vida, José Dirceu foi para o cárcere. Mas a história, como se sabe, só se repete como farsa. Se, na primeira prisão, Dirceu era um revolucionário que tenazmente enfrentava a ditadura burguesa, na segunda adentrou a cela na condição de um político burguês togado rejeitado pela própria burguesia que cortejara e ajudara. Além de vingativa, a burguesia brasileira é, por demais, ingrata. José Dirceu foi vítima do próprio regime democrático-liberal que ajudou a consolidar no país. Com a domesticação do PT, ajudou enormemente a burguesia brasileira, mas, tendo ido além e feito do partido um vitorioso eleitoral contumaz contra os partidos genéticos dessa mesma burguesia, não foi salvo pelos imparciais juízes desta. Para os da esquerda socialista, não há o que lamentar, mas tampouco o que comemorar. Deixemos que Arnaldo Jabor e consortes procurem os seus para as histéricas libações nos grandes salões. Os anseios de justiça de uma classe trabalhadora traída por Dirceu não podem ser realizados pelo mesmo STF que encerrou, pela chantagem, a greve dos professores do Rio de Janeiro, e que, dia sim, dia não, põe em liberdade figuras como Daniel Dantas e o assassino de Dorothy Stang. Os nossos desejos não podem ser confundidos com os de outrem, sob pena de perdermos nossa própria identidade. Não pode haver substitucionismo político-jurídico nesse caso. Regozijar-se com a punição de um inimigo pelas mãos de outro (quiçá pior) não é senão alimentar uma reacionária sanha inquisitória que, ao fim e ao cabo, pode nos ter como alvo principal.  

[1] A única capital governada pelo PT anteriormente havia sido Fortaleza (CE), quando Maria Luiza Fontenelle, em 1985, foi eleita prefeita. Ainda que Fortaleza já fosse uma capital importante e até meso maior que Porto Alegre e Vitória, a experiência da administração petista permanecia, até os faustos eleitorais de 1988, como algo isolado.
[2] Entrevista de César Benjamin in DEMIER, Felipe. As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil. Rio de Janeiro: bom texto, 2003, p. 12.
[3] Quanto a isso, ver DEMIER, Felipe. “Das lutas operárias às reformas reacionárias: uma proposta de periodização para a história do Partido dos Trabalhadores” in História e Luta de Classes, nº 5, 2008.
[4] Quanto ao transformismo do PT, ver a brilhante obra de COELHO, Eurelino. Uma esquerda para o Capital: o transformismo dos grupos dirigentes do PT (1979-1998). Feira de Santana/São Paulo: UEFS/Xamã, 2012.

15 novembro 2013

AEBA: Chapa 1 ganha com 75% dos votos da categoria do BASA.

Ocorreu no dia 13.11, quarta-feira, a eleição para a diretoria da 
Associação dos Empregados do Banco da Amazônia - AEBA. 
Num total de 1.445 votos, a chapa 1 na qual faço parte, obteve 1.067 votos e 
a chapa adversária, apenas 347 votos. Foram mais de 75% da categoria que renovou 
nosso mandato por mais três anos. Foi uma campanha com propostas factíveis que 
poderemos viabilizar nos próximos anos, 2014-2016. Agradeço a todos os bancários e 
bancárias que apoiaram e pediram voto pra chapa 1. Agora é a hora de esquecer o palanque 
e seguir em frente com o trabalho da diretoria da AEBA que começou em 2011. 
Um trabalho série e comprometido com a categoria. Uma gestão que nao se rende 
para os banqueiros e nem para os governos. Pela independência partidária
e sem patrão: viva a chapa 1. 
                                    Momentos da apuração no auditório da AEBA.
                                   Campanha na matriz do banco. Grande apoio da base
                                   Colegas do quadro de apoio do banco: dando apoio a chapa 1
        Campanha na porta da matriz: fomos vitoriosos pela boa campanha e trabalho que fizemos.
                                 Momento da foto para relaxar na apuração. E o trabalho continua por mais 3 anos.

10 novembro 2013

"É preciso punir crimes do Estado contra cidadãos", diz socióloga Sofía Macher.

Ex-integrante da Comissão da Verdade do Peru, a socióloga Sofía Macher defende que o Brasil volte a discutir a revisão da Lei da Anistia, que protege agentes da ditadura militar (1964-85) acusados de torturas e desaparecimentos.
Ela elogia a existência da comissão brasileira, mas diz que o órgão não pode se limitar a fazer reuniões fechadas e preparar um relatório final "que ninguém vai ler".
A socióloga diz que o Brasil deve cumprir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que determinou a revisão da Anistia, em 2010. Ela critica a decisão do Supremo Tribunal Federal que manteve, meses antes, a validade da lei de 1979.
No Peru, cerca de 69 mil pessoas morreram em duas décadas de conflitos, entre 1980 e 2000. A Comissão da Verdade funcionou de 2001 a 2003 e abriu caminho para a condenação de centenas de militares e guerrilheiros do Sendero Luminoso.
Macher passou os últimos dias no Rio para trocar experiências com ativistas da área de direitos humanos.
*
Folha - Qual é a sua avaliação sobre o trabalho da Comissão da Verdade no Brasil?
Sofía Macher - É muito interessante o processo que levou à criação da comissão para rever os anos da ditadura. É uma oportunidade de olhar para trás e examinar os trechos da história oficial que precisam ser reescritos.
O grande desafio da comissão é envolver a sociedade numa reflexão honesta sobre o que aconteceu no país. Se ela ficar entre quatro paredes, produzindo um relatório final que ninguém vai ler, será um grande desperdício.
Estou convencida, pela experiência do Peru, de que uma revisão honesta da história ajuda a construir e a consolidar a democracia.
Em 2010, o STF manteve a validade da Anistia. O Brasil deve reabrir essa discussão?
Acho que a Justiça deve valer para todos. Por isso, não acredito nas anistias. A Comissão da Verdade pode abrir caminhos e significar um ponto de ruptura, por mais que não termine em processos judiciais.
O Peru também teve uma Lei de Anistia, aprovada no governo Alberto Fujimori, em 1995. No entanto, a lei foi revogada pela Suprema Corte.
O processo é maior que a comissão. O Chile levou oito anos, após o fim da sua comissão, até os militares se comprometerem a dizer onde enterraram os desaparecidos.
*A Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou, em sentença sobre a Guerrilha do Araguaia, que a Anistia seja revista. Isso deve prevalecer sobre a decisão STF? *
O Brasil assinou a Convenção Americana de Direitos Humanos e é obrigado a cumprir as sentenças da Corte. A mim parece assombroso que isso não esteja ocorrendo.
Os Estados que adotam esse comportamento debilitam o sistema interamericano. Isso gera um dano tremendo para toda a sociedade.
Hoje, se a Justiça do seu país é injusta, não respeita o devido processo legal, você tem a quem recorrer. Se outros países ignorarem as sentenças da Corte, como o Brasil, todo o sistema interamericano de direitos humanos ficará debilitado.
O Brasil é um país grande e poderoso. Se ele não respeita o sistema, fica a imagem de que a Justiça só vale para os países pobres. Isso me parece terrível, muito negativo.
Os defensores da Lei da Anistia argumentam que ela valeu para os dois lados e contribuiu para a reconciliação no Brasil.
É um argumento válido quando se assina um acordo de paz, quando você tem dois grupos armados e a Anistia é a forma de se pacificar o país. Mesmo assim, não deve valer para crimes de lesa-humanidade. Não acredito que seja válida uma Anistia irrestrita.
É preciso punir crimes cometidos pelo Estado contra cidadãos. Se você diz à sociedade que não vai punir quem cometeu esses crimes, deixa uma mensagem muito ruim.
A Corte Interamericana considera que esse tipo de Anistia é contrário à proteção dos direitos humanos.

Daniel Marenco/Folhapress

09 novembro 2013

Governos do PSDB x PT: Mesma politica nefasta ao trabalhador.

Perdas bilionárias no FGTS

Belém, 08/11/2013 10h29

Se fosse uma empresa, teria registrado o segundo maior lucro do país no ano passado, R$ 14,3 bilhões, menor apenas do que os R$ 21,8 bilhões da Petrobras. Mas como é uma poupança do trabalhador, paga pelos patrões e administrada pelo governo, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) exibe um resultado bastante incomum em seu balanço: em meio a uma série de números positivos, o único a perder dinheiro é o trabalhador, que é o dono do patrimônio.
 
Entre 2002 e 2012, o lucro do FGTS deu um salto de dez vezes (938%) e o patrimônio líquido — dinheiro que o governo usa para investir em infraestrutura — cresceu 433%. O valor recebido pela Caixa para administrar as contas subiu 274% e chegou a R$ 3,3 bilhões no ano passado, e o total depositado aumentou 142%. Já o valor total dos juros e da correção monetária creditados nas contas dos trabalhadores ficou em R$ 8,2 bilhões em 2012, uma alta de apenas 19% na comparação com 2002. E o rendimento das contas nesses 11 anos foi de só 69,15%, bem abaixo da inflação acumulada no período medida pelo INPC (103%), revela estudo inédito elaborado pelo Instituto FGTS Fácil.
 
Enquanto o Fundo vai muito bem obrigado, o trabalhador está muito mal, porque, ao não receber nem a atualização monetária, o dinheiro diminui. Não questiono as funções sociais do FGTS, mas se mesmo com isso, com as doações para o Minha Casa, Minha Vida, o Fundo dá lucro, por que o trabalhador precisa ter prejuízo? O governo está ganhando dinheiro com o Fundo, a Caixa ganha, com saldo menor os empresários pagam menos multa. Só o trabalhador perde — diz Mario Avelino, presidente do FGTS Fácil.
 
A causa do descompasso é a regra de correção das contas: Taxa Referencial (TR) mais 3% ao ano. Num cenário de juros mais altos, a TR compensava ou até superava a inflação e os 3% eram ganho do trabalhador. Com a queda dos juros, o Banco Central foi reduzindo a TR para evitar o rendimento excessivo da caderneta de poupança e a fuga de recursos dos títulos da dívida pública; e também o encarecimento dos financiamentos habitacionais. Assim, a taxa chegou a ficar negativa e ultimamente está próxima de zero, o que faz com que as contas do FGTS sejam corrigidas só pelos 3% ao ano, com a inflação em torno 6%.
 
— Com juros altos, nenhuma aplicação em TR rivalizaria com os títulos da dívida pública, então não havia problema. Mas como está tudo amarrado, a TR corrige poupança, financiamentos. Isso interfere na gestão da dívida; se importou essa perda real para a conta do FGTS. É um problema, porque é uma poupança que a pessoa não tem opção de não fazer. E uma grande contradição, pois o mercado de trabalho melhora, o patrimônio do Fundo cresce porque mais gente se formaliza, há mais depósitos, mas há essa rentabilidade negativa nas contas individuais — analisa Leandro Hoire, técnico do Dieese, que participou da elaboração de estudo sobre o Fundo de Garantia e a TR.
 
Empréstimos do fundo rendem mais
Além de programas subsidiados, como o Minha Casa, Minha Vida, o dinheiro do FGTS é investido em títulos públicos e financia outras linhas de créditos habitacionais e obras de saneamento e infraestrutura. Em todas, cobra juros maiores do que os 3% que remunera as contas.
 
— De 1999 para cá, o governo vem manipulando a TR e causando perda enorme, o maior assalto já praticado contra o trabalhador. O FGTS só tem servido para dar lucro à Caixa — diz o deputado Paulo Pereira do Santos (Solidariedade-SP), o Paulinho, ex-presidente da Força Sindical.
 
A Força está liderando uma campanha pela briga na Justiça pelos prejuízos. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) reconhece as perdas, mas ressalta as características especiais do Fundo.
 
— O FGTS não pode ser tratado como ativo financeiro, porque investe em projetos que são revertidos para a sociedade. Como cotista, não recebo retorno individualmente, mas recebo como benefício social, como saneamento. Não se pode olhar o Fundo simplesmente como investimento — diz Claudio Gomes, representante da CUT no Conselho Curador do FGTS.
 
Num período de 12 anos analisados pelo Dieese (de 2000 a 2011), o retorno obtido pelo Fundo ao investir seus recursos foi praticamente o dobro do creditado nas contas do trabalhador. Em 2011, por exemplo, a rentabilidade média chegou a 9% e o crédito para cotistas, a 4,2%.
 
São esses ganhos, somados aos depósitos feitos pelos patrões e descontadas todas as despesas, que compõem o lucro líquido do Fundo. Os R$ 14,3 bilhões de lucro no ano passado representaram um salto em relação aos R$ 5,3 bilhões de 2011 e já incluíam os mais de R$ 6 bilhões destinados ao Programa Minha Casa, Minha Vida. Sem isso, o lucro chegaria a R$ 20 bilhões. Mas foi um ano atípico, explica o superintendente nacional de FGTS da Caixa, Sérgio Antônio Gomes.
 
— O lucro efetivo do ano passado foi de R$ 14,3 bilhões, mas parte desse valor foi resultado de reversão de provisão. Ou seja, havia reserva de R$ 11,7 bilhões para pagar os trabalhadores que ainda buscam receber perdas dos Planos Verão e Collor na Justiça. No ano passado foi feito novo estudo, essa provisão caiu a R$ 4,2 bilhões, e os R$ 7,5 bilhões voltaram para conta do Fundo — diz.
 
Esse dinheiro, como todo o restante do lucro, não vai para as contas dos trabalhadores, mas para o chamado patrimônio líquido, que já soma R$ 55 bilhões e alimenta o FI FGTS, fundo do qual o governo pode usar até 80% para financiar obras de infraestrutura e saneamento.
 
Governo tem maioria no Conselho Curador
Formado por 12 representantes do governo, seis dos empregados e seis dos empresários, o Conselho Curador é responsável pela administração do FGTS. Representante da Força Sindical, Ramalho Júnior diz que, na prática, quem manda é o governo, por ter maioria e a presidência, ocupada pelo ministro do Trabalho, o que garante voto de minerva. Flávio Azevedo, indicado da Confederação Nacional da Indústria (CNI), concorda. Diz que o máximo que os demais membros fazem é “vigiar”. Ele não defende melhora nos rendimentos das contas, mas rebate a tese de que os empresários se beneficiam do saldo menor, sobre o qual incide a multa de 50%, paga quando demitem seus empregados.
 
— Para os empresários, essa questão da multa não alteraria muito. O que questiono é se é melhor não ter esse prejuízo, mas pagar mais pelo financiamento habitacional e reduzir o acesso à casa própria — afirma Azevedo.
 
Dono de um saldo de R$ 30 mil no FGTS, o analista de sistema Jessé de Almeida, de 51 anos, diz que já está com tudo pronto para ir à Justiça.
 
— O governo devia usar os impostos que pago e não o meu dinheiro para fazer seus investimentos. Estou perdendo uns R$ 20 mil e vou brigar, porque quando deixo de pagar imposto o governo me cobra e com multa e correção.
 
Para administrar os cerca de 250 milhões de contas do FGTS, a Caixa recebeu, no ano passado, R$ 3,3 bilhões, valor que representa mais de metade do lucro líquido do banco em 2012 (R$ 6,1 bilhões), e supera os R$ 3,1 bilhões gerados pela multa adicional de 10%, cuja manutenção foi alvo de queda de braço entre governo e empresários.
 
— A Caixa recebe 1% do ativo do Fundo para ressarcir o custo de administração, e isso foi aprovado pelo Conselho Curador. Não tem nada a ver com multa adicional de 10% — afirma Gomes, superintendente da Caixa.
 
Procurado, o Ministério do Trabalho não atendeu ao pedido de entrevista.
 
Fonte: O Globo

03 novembro 2013

Especialistas condenam uso de leis mais duras e criminalização das manifestações

Juristas e entidades veem endurecimento na repressão e criticam uso da Lei de Segurança Nacional e Lei de Combate ao Crime Organizado contra manifestante.

A Lei de Segurança Nacional (7.170/83) está em vigor no Brasil desde 1983, período da ditadura militar, quando foi assinada pelo então presidente João Batista Figueiredo. Seu objetivo é proteger o País de “subversivos” que queiram lesar a integridade territorial ou a soberania brasileira. Os delegados de plantão também utilizaram a novíssima Lei de Combate ao Crime Organizado (12.850/13), que define como organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas, ainda que informalmente, para praticar crimes. As penas podem chegar a dez anos de prisão.
Gabriela Bilo/Futura Press
Manifestantes do MPL realizam protesto por melhoria do transporte público em São Paulo
Nos episódios anteriores, os manifestantes estavam sendo indiciados por crimes previstos no Código Penal, como dano ao patrimônio, dano qualificado, lesão corporal, e por vezes formação de quadrilha, cujas penas não passam de três anos de prisão. A nova estratégia, segundo movimentos de defesa de direitos humanos, tem o intuito de criminalizar e amedrontar as pessoas que vão às ruas. “É um total absurdo aplicar a lei de Segurança Nacional e a lei de Combate a Organizações Criminosas no contexto das manifestações. Aliás, isso abre um precedente muito perigoso e antidemocrático”, analisa Alexandre Ciconelo, assessor de Segurança Pública da Anistia Internacional Brasil.
O órgão questiona a validade da lei de Segurança Nacional, que chama de “dura e anacrônica”, já que sua regulamentação aconteceu antes da Constituição de 1988, o que a revogaria tacitamente. “O uso de uma lei da ditadura, que não foi criada para regular esse tipo de situação, é para reprimir e criminalizar o protesto nas ruas”, diz Ciconelo. Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas, diz que é preciso aplicar a legislação correta contra desvios nos protestos, para evitar abusos na punição. “O que une o uso dessas duas medidas é um excesso acusatório do Estado”. Para Custódio, a lei dialoga com um passado que o Brasil já superou. “Uma pessoa que quebra um vidro não está colocando em perigo o Estado democrático”, diz.
Insegurança jurídica
O jurista Fábio Konder Comparato diz que a lei de Segurança Nacional padece do vício de ter sido promulgada durante um regime de exceção, sem nenhum fundamento na democracia. Apesar disso, ele não vê risco pontual de insegurança jurídica na aplicação da lei. “O povo nunca teve segurança jurídica. Segurança jurídica é só de quem exerce o poder no Brasil. E quem exerce o poder é uma minoria, no Brasil sempre foi uma oligarquia, de modo que o que nós temos que fazer é denunciar os abusos do governo, e denunciar também os abusos dos manifestantes”, disse. “Evidente que quando a simples manifestação sem abuso é reprimida, e reprimida duramente, isto acaba gerando uma situação de absoluta impossibilidade para o povo de se exprimir livremente. Tem que reprimir, mas no sentido de evitar que haja quebra-quebra.”
Eraldo Patriota, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diz que, além de anacrônica, a lei de Segurança Nacional não é adequada para enquadrar manifestantes, que estão longe de serem “terroristas”. “Não é para a gente desenterrar um entulho autoritário. Essas pessoas não querem ruptura institucional, essas pessoas não querem o impeachment da presidente, não querem fechar o Congresso ou o Supremo. O que eles querem é um Estado mais justo”, diz. Já em relação à nova legislação de combate a organizações criminosas, Patriota enxerga possíveis razões para os integrantes exaltados dos protestos serem enquadrados. “Se existirem evidências fortes de que isso é uma organização criminosa, que se reúne para destruir patrimônios públicos, é possível um processo sim. Para isso, é preciso comprovar planejamento prévio, como em redes sociais”, explica.
Patriota critica a falta de investigação e de disposição do Estado em aplicar os instrumentos jurídicos presentes no Estado democrático, mas não vê esse endurecimento como um risco de criminalização aos movimentos sociais, ou à livre manifestação. “Quem pratica atos colocando em risco a incolumidade pública, a coletividade, não é movimento social. O direito de se manifestar é sagrado, mas o direito de não querer fazer parte, de não querer se manifestar, também é sagrado”, diz. “A grande discussão é que a gente tem que fazer é que o Estado é legitimado para usar a força, com proporcionalidade, para evitar o caos que temos visto.”
A Anistia Internacional entende que o uso da força policial durante os protestos ultrapassa os limites legais, especialmente quanto ao uso das armas menos letais, como spray de pimenta, e as detecções de manifestantes. “Há um abuso da autoridade policial no uso da força, no uso da repressão e em prisões completamente arbitrárias”, diz. “Manifestantes foram presos no Rio só por estarem sentados em frente ao Municipal”, exemplifica Ciconelo.
A favor
“A Lei de Segurança Nacional é adequada”, diz Ademar Gomes, presidente do Conselho da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp), voz dissonante entre os especialistas ouvidos pelo iG . “Ela não foi revogada. Se ela serviu para combater os abusos na época da ditadura, como regime, ela serve também para coibir os abusos na democracia”, afirma. Gomes não vê nos tipos comuns do Código Penal uma alternativa para penalizar eventuais desvios nas ruas. “Não são suficientes porque a pena é mínima, e eles vão responder em liberdade. Isso não intimida os baderneiros que saem às ruas para depredar órgãos públicos.”