28 dezembro 2014

Casa de ativista é queimada!


Este atentado não passará impune. Exigimos apuração e punição dos responsáveis pelo incêndio criminoso que destruiu a casa de um ativista dos movimentos sociais de Nova Lima- MG


Na noite de Natal, um incêndio criminoso atingiu a casa de um militante do movimento popular e sindical de Nova Lima. Nelson Pereira Ramos, rodoviário, diretor do sindicato dos trabalhadores da carga, ativista da Associação dos Moradores do Galo Açafrão, liderança do Projeto João de Barro e filiado do PSTU, teve sua casa destruída. Por sorte, toda a família estava fora, evitando que a tragédia fosse ainda maior.
Interesses de pobres e ricos em conflito 
Nova Lima é uma cidade fonte de muito lucro para a especulação imobiliária, onde convivem interesses de mineradoras, como a Vale e Anglo Gold, e construtoras especializadas em condomínios. Nos últimos 20 anos houve uma migração de parte da classe média alta de Belo Horizonte e outras regiões para a cidade, o que engordou o lucro dessas empresas. Diversos movimentos sociais da cidade, entre eles a Associação Galo Açafrão, questionam a doação de terras públicas para construtoras e a grilagem por parte das mineradoras.
No caso do bairro Galo e da ocupação, existe uma disputa com a Anglo Gold Ashanti, antiga Morro Velho, pela posse do terreno desde a década de 1960. A Associação Galo Açafrão teve acesso a documentos que comprovam que a terra pertencia à outra família e não à Anglo.
Por outro lado, os preços dos imóveis são altíssimos, o que leva ao aparecimento de ocupações urbanas reivindicando o direito a moradia. Em 2010, o terreno foi ocupado por 400 famílias. Na época foi criado o Projeto João de Barro que passou a negociar a legalização da ocupação diretamente com o verdadeiro proprietário, que propôs o pagamento de um preço bem abaixo do mercado para cada lote.
Um crime que não pode ficar impune
Ainda não sabemos de onde veio o atentado. Mas certamente estão a serviço de interessados em desmobilizar a luta por moradia na cidade.
Uma filmagem do momento do crime identificou que o incêndio foi criminoso, feito por dois capangas que entraram por volta de 1 hora da manhã do dia 25 de dezembro na casa e atearam fogo, fugindo em seguida num carro de cor cinza. É de responsabilidade dos poderes públicos e da Polícia Militar que este crime seja investigado a fundo para a efetiva punição dos verdadeiros responsáveis. Não aceitaremos que este crime fique impune.
Como pano de fundo deste caso está um conflito social. Os governantes, portanto, tem que assumir sua responsabilidade e ter um papel ativo para que o terreno em questão fique nas mãos das famílias que moram na região. Exigimos do prefeito Cassio Magnari (PMDB), de Fernando Pimentel (PT) que assumirá o Governo de Minas Gerais na próxima semana e de Dilma Roussef (PT) que se posicionem em favor das famílias e pela investigação e punição imediata dos responsáveis por este atentado criminoso.
Toda solidariedade ao companheiro Nelson e família
Prestamos o nosso apoio e solidariedade ao companheiro Nelson e sua família. Um ataque deste tipo é um ataque a todo o movimento social. Pedimos aos sindicatos, às centrais sindicais, aos movimentos de luta pela terra da cidade e do campo, ao movimento estudantil e todos os demais movimentos e entidades que façam o mesmo. Também pedimos doações em dinheiro e em bens (móveis e roupas) para que o companheiro possa reconstruir sua casa junto com sua família. Mexeu com um, mexeu com todos.

09 dezembro 2014

SUPERÁVIT PRIMÁRIO: O DEBATE REBAIXADO!

Rodrigo Avila – Economista da Auditoria Cidadã da Dívida
14/11/2014
Nos últimos dias, tem havido um acalorado debate sobre as contas públicas brasileiras. De um lado, o governo diz que a crise reduziu a arrecadação, e por isso precisa zerar a meta de “superávit primário”, e de outro, o PSDB/DEM alegando que isto é um absurdo, e que isto significaria uma burla à “Lei de Responsabilidade Fiscal” (LRF).

Porém, trata-se de um debate extremamente rebaixado. Infelizmente, a LRF não serve para ordenar os gastos públicos no Brasil, uma vez que ela apenas limita os gastos sociais, não estabelecendo nenhum limite ao gasto responsável pelo verdadeiro rombo nas contas públicas brasileiras: a questionável dívida pública. Neste ano, até 25/10, o pagamento de juros e amortizações da dívida federal já consumiu R$ 910 bilhões, o que representa nada menos que a metade de todos os gastos da União até esta data, conforme mostra o Dividômetro da Auditoria Cidadã da Dívida (www.auditoriacidada.org.br). Esta dívida, repleta de ilegalidades, deveria ser auditada, conforme manda a Constituição de 1988, jamais cumprida.

O Projeto de Lei enviado pelo Executivo ao Congresso não corrige este problema, mas apenas visa zerar (ou tornar levemente negativa) a meta do chamado “superávit primário”, cuja metodologia de cálculo vem do FMI, e serve para ocultar a verdadeira situação orçamentária do país. O cálculo do “superávit primário” envolve apenas uma parcela do orçamento, ou seja, é o resultado da diferença entre as chamadas “receitas primárias” (principalmente os tributos e receitas de privatizações) e as “despesas primárias” (os gastos sociais), para fazer parecer à sociedade que o problema das contas públicas seria um suposto excesso de gastos sociais (por exemplo, as aposentadorias, pensões, etc), ocultando completamente os gastos com a dívida.

Porém, existe uma outra parcela do orçamento federal que é simplesmente desprezada pelo cálculo do “superávit primário”, para que fique eternamente obscura e sem limite, sem discussão alguma pela população. Esta “parte escura do orçamento”, de várias centenas de bilhões de reais, é financiada pelas receitas “não-primárias”, ou seja, a emissão de novos títulos da dívida, o recebimento de juros e amortizações das dívidas de estados e municípios com a União, os eventuais lucros do Banco Central, e até mesmo o rendimento da Conta Única do Tesouro, dentre outras. Estas receitas “não-primárias” servem principalmente para viabilizar o pagamento da dívida pública, e não são sequer arranhadas pelo Projeto de Lei do Poder Executivo.

Em 2013, o “superávit primário” correspondeu a apenas 10% dos gastos com juros e amortizações da questionável dívida pública federal, sendo que a ampla maioria desses gastos foi proveniente do “lado escuro do orçamento”, que se manterá intocável com o Projeto de Lei. Na realidade, quando se estabelece uma meta de “superávit primário” (ainda que ela seja de zero, ou levemente negativa, como propõe o novo Projeto de Lei do Poder Executivo)  isso serve, na verdade, para que estas outras receitas do “lado escuro do orçamento” sejam direcionadas principalmente para o pagamento da dívida. Isto porque, se tais receitas fossem direcionadas para gastos sociais, isso aumentaria as chamadas “despesas primárias”, violando a meta de superávit.

Portanto, nenhum dos lados envolvidos neste debate enfrenta o verdadeiro problema das contas públicas brasileiras: a dívida pública, que conforme já apontado por várias comissões do Congresso Nacional, possui diversos indícios de ilegalidades, tais como: falta de documentos; renúncia à soberania nacional; aplicação de juros sobre juros; sobre-preço de até 70% no pagamento antecipado de títulos da dívida externa; realização de reuniões trimestrais de membros do COPOM com banqueiros para estimar variáveis (como inflação e juros) que depois são utilizadas pelo próprio COPOM na definição das taxas de juros; dentre muitos outros.

Para verdadeiramente resolver o problema das contas públicas, e ter “responsabilidade fiscal” é preciso fazer a auditoria da dívida pública.

07 dezembro 2014

Ser trotskista no século XXI!

Em 1985, Nahuel Moreno escreveu um pequeno texto intitulado “Ser trotskista hoje”. Nele, o dirigente trotskista argentino reivindicava aquilo que acreditava ser o fundamental do legado político, teórico e programático que Leon Trotski deixou para o marxismo, a saber: o caráter internacional da revolução socialista, a luta contra a burocratização dos sindicatos e dos antigos Estados operários e a batalha pela construção de um partido mundial da revolução, a IV Internacional. Em si, o texto de Moreno é inquestionável e permanece atual. No entanto, hoje, no início do século 21, quando nos aproximamos do centenário da Revolução Russa, 25 anos depois da queda do Muro de Berlim, 23 anos depois do fim da União Soviética, quando não existe mais nenhum Estado operário no mundo, quando a ideia do socialismo se encontra jogada na lama pelos crimes do stalinismo e continua sendo identificada com caricaturas bizarras e vergonhosas como a Coreia do Norte ou com as sombras do que um dia foram Estados operários, como Cuba e China, o legado de Trotski precisa ser revisitado.
Faz sentido ser trotskista? Em que medida o pensamento de Trotski permanece atual para aqueles que desejam transformar o mundo? Até onde as ideias de Trotski respondem aos anseios mais sinceros das novas gerações de lutadores sociais que rejeitam os velhos métodos burocráticos dos partidos tradicionais, inclusive os de esquerda? A teoria-programa trotskista da revolução permanente não terá sido superada pelas elaborações de algum dos novos pensadores marxistas da segunda metade do século 20, ou mesmo do século 21, ou por uma combinação de distintas ideias de distintos autores? Um rápido percurso pelo que consideramos ser o pensamento de Trotski deve fornecer os elementos fundamentais para que cada um possa fazer seu próprio julgamento.

Trotski, Lênin e Kamenev
Marxismo e trotskismo no século 20
Excluindo-se Lênin (cuja contribuição ao marxismo excede qualquer parâmetro de comparação com qualquer outro autor) e o próprio Trotski (objeto específico de nossa análise), podemos afirmar que o marxismo foi profundamente enriquecido ao longo do século 20. Importantes aspectos do pensamento de Marx foram aperfeiçoados ou atualizados, algumas lacunas em suas elaborações foram preenchidas, perguntas que o próprio Marx não se colocou foram levantadas. Desse gigantesco e frutífero esforço participaram pensadores como György Lukács, Antônio Gramsci, Rosa Luxemburgo, Louis Althusser e muitos outros, para citar apenas aqueles que fizeram contribuições globais ao sistema de Marx. Independente de concordarmos ou não com tais elaborações, é preciso reconhecer que estes homens e mulheres são a prova definitiva de que o socialismo científico é uma obra coletiva, em eterna construção, que não está nem jamais estará acabada, nem mesmo nas páginas mais brilhantes de seus fundadores.
Ao analisar o lugar de Trotski no marxismo do século 20, não basta apelar ao fato de que o dirigente da Revolução de Outubro uniu com maestria teoria e prática ao longo de toda sua vida. Outros também o fizeram, e merecem a mesma honra. O gigantismo de Trotski em comparação com todos os outros pensadores e práticos marxistas é definido pelo fato de que ele, e somente ele, conseguiu decifrar o enigma central do século passado, o fato primordial que determinou todos os outros eventos a partir de 1917 até os dias de hoje: a burocratização, degeneração e posterior extinção do primeiro Estado operário da história.
Neste terreno, Trotski possuiu sobre Lênin a vantagem de ter vivido mais. Lênin, que se afastou definitivamente da vida política no dia 6 de março de 1923, quando sofreu seu terceiro derrame, não viu o fenômeno da burocratização a não ser em seus inícios, e não teve tempo suficiente para fazer sobre ele uma análise mais meticulosa. Trotski, por outro lado, armado com a teoria da revolução permanente e tendo sido protagonista na luta contra a burocracia stalinista durante quase toda a década de 1920, pôde produzir uma explicação global sobre o fenômeno.
Não era uma tarefa fácil. Como o próprio Trotski costumava dizer, os bolcheviques nunca acreditaram na possibilidade de degeneração burocrática da URSS simplesmente porque seu profundo internacionalismo os induzia à conclusão de que, caso a revolução socialista europeia não triunfasse, o destino inexorável da URSS seria a invasão por alguma potência imperialista estrangeira, mas jamais a degeneração. Ou seja, a sobrevivência de uma URSS isolada, ainda que degenerada, não era sequer uma hipótese em 1917. Tal era o ineditismo do desafio teórico colocado perante o marxismo.
Mas Trotski não se limitou a analisar a degeneração do primeiro Estado operário, explicando suas verdadeiras e profundas bases econômicas, sociais e políticas. Ele fez sobre este fenômeno um duplo prognóstico: ou bem a classe operária soviética retomava o controle efetivo do aparelho de Estado por meio de uma revolução política contra a burocracia stalinista, ou bem o capitalismo seria restaurado pelas mãos da própria burocracia.
Quando foi elaborado, em 1936, tal prognóstico foi recebido com ironia e desprezo pela maioria dos que se consideravam marxistas. A economia da URSS crescia a taxas inacreditavelmente altas e o “socialismo em um só país” parecia ter triunfado de maneira definitiva. Quase 50 anos depois, em meados dos anos 1980, a burocracia soviética restaurou o capitalismo na URSS por meio de uma política de Estado denominada Perestroika, dando então razão a Trotski.
Se hoje o imperialismo utiliza o fim da União Soviética como motor de sua campanha contra o socialismo, é preciso reconhecer que, durante quase 50 anos, os trotskistas, orientados por Trotski, alertaram os trabalhadores sobre esse fim inevitável, caso não triunfasse no antigo império dos czares uma revolução política antiburocrática.
É verdade que a crítica marxista à URSS não é um privilégio de Trotski ou do trotskismo. Muitos outros autores sérios levantaram hipóteses e prognósticos que a seu tempo foram objeto de justificada atenção. No entanto, como diz a segunda tese sobre Feuerbach: “É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. Ou seja, a correção (verdade) de uma teoria ou conceito não é dada por sua coerência interna. Este é o critério da lógica formal, não da lógica dialética, da lógica do concreto. Assim, por mais elegantes que tenham sido, a seu tempo, as explicações produzidas por outros marxistas sobre a URSS (“capitalismo de Estado”, “Estado burocrático” etc.), nenhuma delas permitiu uma compreensão total do fenômeno, desde sua origem, passando por sua evolução até seu definhamento e morte. Somente o conceito de Estado operário degenerado – esta idéia pouco atrativa, de difícil digestão pelo senso comum – pôde fazê-lo.
O século 21: a atualização do programa marxista
Mas o século 20 ficou para trás; o fim da URSS e a restauração do capitalismo em absolutamente todos os antigos Estados operários são fatos consolidados na realidade, pelo menos na humilde opinião da corrente à qual pertencemos, a Liga Internacional dos Trabalhadores. Além disso, o mundo se tornou mais complexo: novas questões políticas, econômicas e sociais surgiram – outras perderam importância; velhos aparatos contrarrevolucionários e reformistas desapareceram – novos nasceram; antigas ilusões foram perdidas – muitas outras ocuparam o seu lugar. Diante de tantas e tão profundas transformações, seria loucura e uma prova de extrema cegueira política afirmar que o programa revolucionário do século 21 é idêntico ao do século 20. Marx, Engels, Lênin e o próprio Trotski atualizaram o programa do socialismo científico inúmeras vezes, sempre que a realidade o exigiu. Para eles, o programa revolucionário não era uma bíblia repleta de escrituras sagradas, mas uma fotografia provisória da realidade, um guia para a ação. À medida que mudava a realidade, deveria mudar também o programa. Atualizar o programa marxista em base à nova realidade aberta com o colapso dos Estados operários e a falência do aparato mundial do stalinismo – tal é o desafio que nos coloca o novo século.
Mas enganam-se aqueles que pensam que o novo século, apenas porque assim se chama, exige algum tipo de “novo socialismo”, “novas estratégias” ou “novos sujeitos”. Em verdade, as elaborações teóricas e o programa de Trotski para o século 20 são a única pedra sobre a qual pode ser construído um programa socialista para o século 21. Enquanto a maioria esmagadora da esquerda conclui do fracasso da URSS a impossibilidade do próprio socialismo, o programa trotskista aponta exatamente no sentido oposto: o que fracassou com a URSS foi a estratégia da coexistência pacífica com o imperialismo; fracassou a concepção de um partido monolítico, com dirigentes intocáveis, infalíveis, oniscientes e onipotentes; fracassou a visão de que o socialismo pode ser construído sem a participação da classe trabalhadora na gestão do Estado; fracassou a tentativa de construir sindicatos “fortes” sem a participação democrática dos trabalhadores em todas as decisões; fracassou a ideia – tão atraente e tão nefasta – de que as classes médias podem substituir o proletariado na construção de uma sociedade socialista. De todos esses fracassos, nenhum deles diz respeito ao socialismo ou ao marxismo. São fracassos do stalinismo, que não é uma corrente do marxismo, mas a sua antítese.
Para os trotskistas, portanto, trata-se de atualizar o programa, mas essa atualização manterá inevitavelmente a essência do velho programa, que deverá ser enriquecido pelos novos elementos da realidade. O novo programa socialista do século 21 é o programa da luta implacável contra o imperialismo e todas as suas táticas de opressão, exploração e engano; da revolução proletária; da democratização radical dos sindicatos e do extermínio do câncer burocrático em todas as organizações da classe trabalhadora; é o programa do retorno dos revolucionários à classe operária, de onde nunca deveriam ter saído; da luta contra todo tipo de opressão de gênero, raça, orientação sexual e nacionalidade, bandeiras que o stalinismo jamais levantou de verdade; é o programa da construção de partidos revolucionários profundamente democráticos e altamente disciplinados; da reconstrução de uma internacional marxista que una esses partidos em um estado-maior mundial; e de tantas outras questões que devem surgir e certamente surgirão.
Trotskismo: o marxismo do século 21
Em sua autobiografia, Leopold Trepper, o famoso agente soviético que construiu uma rede de espionagem anti-hitlerista em plena Alemanha nazista, assim se referiu aos trotskistas:
A revolução havia degenerado num sistema de terror e de horror; os ideais do socialismo estavam ridicularizados por um dogma fossilizado que os verdugos tinham a desfaçatez de chamar de marxismo. Todos os que não se sublevaram contra a máquina stalinista são responsáveis por isso, coletivamente responsáveis. Não faço exceções, e não escapo deste veredicto.
Mas quem protestou? Quem elevou sua voz contra o ultraje? Os trotskistas podem reivindicar essa honra. Incitados por seu líder, que pagou a obstinação com a morte, eles combateram sem tréguas o stalinismo – e foram os únicos. Nos tempos dos grandes expurgos, só podiam gritar sua revolta nos vastos desertos gelados para onde haviam sido enviados com o objetivo de serem exterminados. Nos campos, sua conduta foi digna e mesmo admirável, mas suas vozes se perderam na tundra.
Hoje os trotskistas têm o direito de acusar os que então uivavam junto com os lobos. Que não esqueçam, porém, que possuíam sobre nós a imensa vantagem de dispor de um sistema político coerente, capaz de substituir o stalinismo, e ao qual podiam agarrar-se no meio da profunda miséria da revolução traída.
Estas linhas dão uma pequena ideia da força que possuem as ideias de Trotski e do papel que cumpriram no exato momento em que a contrarrevolução dirigida por Stalin avançava sobre as conquistas de Outubro. Ser anti-stalinista depois da queda do Muro de Berlim não é difícil. Ser anti-stalinista durante 60 anos – quando o stalinismo era a maior força política da classe trabalhadora mundial – é outra coisa. Disso, somente os trotskistas foram capazes. Nenhuma outra corrente o fez. Nenhuma.
O trotskismo é o marxismo do século 20 porque lutou contra a degeneração stalinista com toda a força de que dispunha. Mas é também o marxismo do século 21 porque a derrota dos regimes de partido único pelas massas soviéticas e do Leste Europeu – e que inaugurou o período histórico em que nos encontramos hoje – foi a confirmação de sua tese mais importante, ainda que tenha ocorrido em Estados que já não eram operários. Lamentamos, como qualquer operário consciente, o fim da economia planificada naquela região do mundo. Mas não assumimos nenhuma responsabilidade pelo destino daqueles Estados enquanto estavam nas mãos do stalinismo. O nosso programa era o programa da revolução política. O muro de Berlim não desabou sobre nossas cabeças.
A luta contra o burocratismo e os privilégios, por uma vida melhor, por liberdade política e artística sempre foi parte inerente de nosso programa. Era também a nossa luta. Compartilhamos com as novas gerações o desejo de tomar em nossas próprias mãos o leme de nosso destino e não entregá-lo a nenhum herói, general ou novo czar. Desconfiamos junto com eles de todo segredo, de toda articulação de bastidores, de toda tentativa de substituir a ação da classe trabalhadora pela sabedoria dos dirigentes iluminados. Ao ser e agir assim por quase 90 anos, o trotskismo conquistou o direito não somente à reabilitação histórica, não somente ao passado, mas também – e principalmente – o direito ao futuro.