27 novembro 2008

O Socialismo e a Revolução Cubana!

“Repensar o nosso socialismo é a melhor forma de celebrar a Revolução Cubana”

Com o 50º aniversário da Revolução Cubana se aproximando, Carta Maior conversou com Carlos Tablada, professor da Universidade de Havana e redator da revista Alternatives Sud, do Centro Tri-continental (CETRI), além de Fundador do Fórum Mundial de Alternativas e membro do júri do Prêmio Casa das Américas. Em recente entrevista, quando incitado pela milésima vez a fazer críticas a Cuba, o escritor uruguaio Eduardo Galeano resumiu assim sua análise sobre o país: “Continuo acreditando que a onipotência do Estado não é a melhor resposta à onipotência do mercado e ainda pratico aquele conselho de Fonseca Amador, o fundador do sandinismo na Nicarágua: Amigo, amigo verdadeiro, é quem elogia pelas costas e critica pela frente”. Tablada é da mesma turma, autor de vários livros e dezenas de artigos, licenciado em sociologia, filosofia e doutor em ciências econômicas, ele esteve no Brasil para lançar a primeira edição em português de "O marxismo de Che e o socialismo no século XXI".

Na ocasião da entrevista, passava por Cuba o terceiro furacão deste mês, deixando perdas avaliadas em US$ 8,6 bilhões e quatro mortos. “Nós sabemos que não há como reconstruir uma sociedade sem a possibilidade de repartir tuas coisas com outras pessoas e outros povos. Ou seja, o cubano tem um espírito de solidariedade muito forte, de repartir o pão, não somente com outro cubano, mas também com um estrangeiro. Por exemplo, no período em que o Produto Interno Bruto cubano caiu quase 40%, nós tínhamos mais de 25 mil estudantes estrangeiros com bolsa estudando na universidade e nós não mandamos ninguém de volta. A nenhum cubano passou pela cabeça dizer bueno, agora não temos o que comer, vamos mandar esse pessoal embora, como vamos alimentar e educar mais de 25 mil estudantes estrangeiros¿. Mas é normal. E agora, com os furacões, creio que vai ser a mesma coisa, nos recuperamos”.

Nesta conversa, Tablada defende que é a partir da mesma força solidária de reconstruir Cuba que surgem as comemorações de meio século de revolução.

Carta MaiorO mundo está passando por uma crise do modelo capitalista. Como isso é visto desde Cuba?

Carlos Tablada – Na verdade, nós fomos um dos primeiro países a denunciar isso. E nossos dirigentes e acadêmicos cubanos foram os primeiros que denunciaram a natureza do neoliberalismo e o Consenso de Washington. Nós estávamos totalmente convencidos que isso só traria mais pobreza. O Consenso é como um aspirador de pó para sugar riquezas, uma nova colonização dos países do sul, uma imposição ao resto dos países do mundo a grande especulação financeira. Até economistas europeus e capitalistas como Keynes, já nos anos 30, denunciavam a economia cassino. Hoje em dia os próprios capitalistas estão recorrendo a Karl Marx porque é nele que esta a explicação do desenvolvimento do capital.

E Karl Marx já nos advertia como o desenvolvimento do capital industrial ia levar ao desenvolvimento do capital fictício. E este capital fictício acaba crescendo a um nível maior que o capital real, industrial, de serviços. Assim, simplesmente se traga a economia real. O desenvolvimento da economia fictícia se dá em detrimento ao crescimento da economia real. Keynes faz essa avaliação a partir do que aconteceu na grande crise de 1929, gerada a partir dos Estados Unidos como esta, e alerta que os estados deveriam ter mais controle para que não se convertessem em economias cassino. Ao invés disso, deixou-se de lado o acordo de Bretton Woods, que de certo modo estabelecia uma ordem.

E aí, nos anos 70, quando os Estado Unidos não podiam mais manter economicamente a loucura de Guerra do Vietnã, rompem com Bretton Woods e transladam o custo da guerra que estava chegando ao final ao resto das economias do mundo. Então era evidente o que aconteceria. O neoliberalismo fundamentalmente se converteu em cultura, em domínio nos anos 80 e 90, e foi isso que lhe permitiu o pensamento único, um pensamento pior do que aquele que surgiu do socialismo real do bloco soviético, um dogmatismo incrível. O capital hoje em dia extrai da natureza uma maior quantidade de recursos naturais do que a natureza é capaz de produzir. E, também, a indústria e a forma de vida capitalista devolvem à natureza um nível de contaminação que o planeta não tem capacidade de regenerar. O capitalismo neoliberal gera conseqüências que o planeta não tem mais como encarar, aí estão as mudanças climáticas que são irreversíveis.

Essa é uma crise civilizatória, é um bloco de coisas. E isso independe de você ser comunista, ser de esquerda ou de direita. Os exemplos que estou dando, de economia cassino e mudança climática, fazem referência a dois representantes do sistema que não podem nunca ser acusados de terem sido comunistas. Um é Keynes e o outro é Al Gore, vice-presidente de Bill Clinton e candidato à presidência dos Estados Unidos que ganhou as eleições, mas simplesmente perdeu para Bush por uma fraude. Faço referência a duas pessoas sobre as quais não há duvida de seu tom ideológico e que são partidárias do capitalismo, e até eles concordam que, do jeito que está, ficamos sem capital, sem planeta e sem nada.

CME o que a experiência de Cuba tem a contribuir nesse cenário?

CT – Em primeiro lugar, é necessário aceitar Cuba como uma experiência de construção de sociedade alternativa à capitalista. Quando Cuba triunfou, as revoluções socialistas, e a que tinha mais anos era a da União Soviética, tinha 30 anos, já tinham cometido erros gravíssimos que determinaram seu desaparecimento. Portanto, quando triunfa a Revolução Cubana a humanidade não tinha receita, não havia sido capaz de criar uma cultura alternativa à capitalista ou uma economia real alternativa à capitalista, nem um sistema político participativo alternativo ao capitalismo. Esses três temas estavam pendentes e nós cubanos fomos descobrindo que permaneciam pendentes. Que o que nos vendiam como uma coisa feita, o modelo soviético que deveria ser copiado, não era assim.

Nós cometemos erros próprios e erros semelhantes quando copiamos o modelo soviético. Reproduzimos erros em Cuba cometidos pelos países socialistas e, por outra parte, cometemos erros na busca de um caminho próprio, erros menores, porque sempre que se comete um erro pensando com cabeça própria é melhor. Precisamente é por isso que desaparece o bloco soviético e nós não desaparecemos. Porque a Revolução Cubana se caracterizou sempre por uma grande vitalidade, por uma busca constante de novos caminhos.

A outra coisa que não nos fez perder foi o internacionalismo. Quando Cuba surge como uma nação, surge junto uma posição internacionalista, tanto cultural como política. E é precisamente esse internacionalismo que nos ajudou a não nos perdermos e seguirmos a busca de um caminho próprio. E, por outra parte, é necessário avaliar as condições tão difíceis sob as quais nos desenvolvemos, nós estamos submetidos a um bloqueio criminal, econômico político e financeiro. Os Estados Unidos perseguem aos empresários e os ameaça se negociam com Cuba. Um barco mercante que entra em Cuba tem que esperar seis meses para poder entrar em um porto norte-americano. Tu imaginas, nós compramos na Europa várias coisas. Fora as agressões militares, biológicas e o terrorismo que aplicaram. Tudo isso deixou feridas já reconhecidas e se não fossem elas, nosso desenvolvimento teria sido maior.

Por dezessete anos consecutivos, a Assembléia Geral das Nações Unidas condenou o bloqueio norte americano a Cuba. E das 192 nações inscritas nas Nações Unidas, 185 votaram contra o bloqueio. Somos uma experiência fora do capitalismo que tem justeza ao redor do mundo.

CMO senhor está no Brasil para lançar O marxismo de Che e o socialismo no século XXI, livro que nasce de um processo de 15 anos de estudo...

CT – Em toda Revolução Cubana, a pessoa que mais se preocupou com a organização da nova economia foi Ernesto Che Guevara. O Che foi também um dos primeiros dirigentes cubanos que visitou a União Soviética. Ele era comunista e um observador do que acontecia lá, ainda no México antes de vir para Cuba, fazia parte da Associação de Amizade México - União Soviética. E havia estudado desde os 17 anos o marxismo. Com os revolucionários cubanos, como José Martí e Fidel Castro, tinha aprendido que toda revolução que não leva implícita uma mudança na natureza humana não tem sentido, não vale a pena lutar apenas por coisas materiais, uma revolução é verdadeira e justifica o sangue derramado por ela, se implica uma mudança de espiritualidade, de valores, se desenvolve a individualidade e não o individualismo. Desenvolve a coletividade, mas não o coletivismo burocrático, no qual a pessoa se converte em um número. Isso está presente na cultura revolucionária cubana desde o século 19.

E Che aprendeu isso. Mas quando ele visita as fábricas e empresas do bloco soviético, descobre que não havia tal mudança. Que após 30 anos de revolução, o espírito capitalista estava presente nessas empresas. As empresas eram estatais, e se dizia que eram de todo o povo, mas o administrador seguia realizando suas funções como se fosse um capitalista, o operário não tinha realmente nenhum participação real na tomada de decisões sobre o que ia produzir ou como ia produzir. E foi isso que o levou a pensar e a repensar o sistema econômico socialista. E Che se dá a tarefa de montar na prática um sistema econômico alternativo ao soviético, e o fez com bastante êxito por quatro anos.

Igualmente, começou a teorizar a respeito, dando origem a uma polêmica econômica grande, inclusive com dois intelectuais de renome mundial, Ernest Mandel e Charles Bettelheim. Esse é o ponto principal do Che. Quando ele parte para o Congo e depois para Bolívia a combater com as armas, o Che não havia tido tempo de expor de uma forma positiva e coerente todas essas idéias. E eu me dei a tarefa, em 1969, de descobrir esse pensamento, investigar e recopilar esse material. Isso levou 15 anos. Simultaneamente, comecei a trabalhar no sistema empresarial cubano e apliquei em uma empresa estatal nacional cubana de 2.823 trabalhadores que produzia 20 milhões de dólares ao ano o sistema de Che e vi seus resultados e depois tive que obrigatoriamente estabelecer o modelo soviético e vi seus resultados também.

Pude comparar como cada um atuava sobre a consciência das pessoas e como atuava o outro. Quais os resultados econômicos e os resultados humanos. Daí surgiu "O pensamento econômico de Ernesto Che Guevara", em julho de 1984. Eu comecei a escrever em 1º de junho de 1969, no hospital onde nascia minha filha, o que demorou quase 24 horas. Na sala de espera comecei e 15 anos depois terminei. Esperei três anos até que ele fosse publicado, e quando recebi Prêmio Casa das Américas, o livro se independizou. Já são 33 edições e meio milhão de exemplares.

CMFoi desta obra que surgiu o livro traduzido para o português...
CT – Este livro que eu tive o privilégio de vocês traduzirem para o português, "O marxismo de Che e o socialismo no século XXI", é formado por algumas idéias que não pude expressar no primeiro livro e das minhas reflexões entre 1987 e 2007. O livro tinha algo como 300 e tantas páginas, mas eu disse a mim mesmo que tinha que ser capaz de transformar isso em um livro pequeno. Consegui reduzi-lo a menos de 100 páginas. Eu o coloquei gratuitamente no site Rebelión e para a minha alegria e surpresa vocês aqui no Brasil me escreveram, pediram se poderiam realizar a tradução e eu lhes disse sim, com muito gosto. O livro foi impresso em Cuba e na Bélgica, e atualmente é traduzido em inglês e francês.

Aí está a essência da essência e aí se explica porque é tão importante o pensamento de Che. O Che foi um dos poucos homens do século XX que conseguiu que forças aparentemente contraditórias o atacassem. Foi perseguido por toda máquina cultural do império norte americano e atacado por toda a burocracia do bloco soviético. Todos os pensamentos novos e audazes em essência são perseguidos. Enfim, o pensamento filosófico de Che é muito profundo e inovador, o pensamento econômico é transgressor, o pensamento sociológico é novo. Quando desapareceu o bloco soviético, lembro que diziam que Cuba não resistiria, que éramos um satélite da União Soviética. Não acreditavam que Cuba possuía uma economia própria que poderia levá-la adiante.

E mais, era bom para nós que desaparecesse a União Soviética, porque assim nos estávamos num momento de deixar a certeza na qual estávamos vivendo e alcançar nossa soberania econômica, nossa independência econômica total. O Che é a máxima expressão disso e por isso a importância que ele tem para a América Latina e para os povos africanos até hoje. O socialismo futuro não pode ser um só socialismo. Tem que haver tantos socialismos como experiências de participação real das populações, dos trabalhadores, dos sindicatos.

CMEm janeiro de 2009, comemora-se meio século da Revolução Cubana. Como o país pretende celebrar esta data?
CT – Essa comemoração já está acontecendo, agora, enquanto conversamos. E está acontecendo precisamente do melhor modo. Pensando e repensando o nosso socialismo. A maioria da população cubana não quer voltar ao capitalismo, mas não quer ficar com o socialismo que temos hoje. Há uma insatisfação incrível, gigantesca, em todos os setores da sociedade cubana. A insatisfação é tão grande que inclusive foi manifestada pela máxima direção do nosso país, o companheiro Raúl Castro. Raúl Castro disse:

“Eu não entendo porque o leite deve ser somente para as crianças até os sete anos. Por que um velho não pode ter acesso ao leite? Por que nos conformarmos com a garantia do leite para todas as crianças até os sete anos?”

E olha que no Terceiro Mundo isso é algo muito grande. Porque tu sabes que agora mesmo, desde que começamos essa entrevista, a cada segundo morrem dez crianças. E dessas crianças que morrem, nenhuma tomou leite na vida. Então, o que o povo cubano conseguiu, apesar deste bloqueio criminoso dos Estados Unidos, de que todas as crianças tenham leite gratuitamente é incrível. Mas Raúl Castro quer dizer que não pode ser apenas isso. “Temos que resolver já, de imediato, que todos tenhamos acesso ao leite”, ele disse.

Estou expressando com um exemplo concreto uma grande inconformidade com o que temos, com o nosso sistema econômico e com o nosso sistema político. Então, a melhor forma de celebrar o 50º aniversário do triunfo da Revolução Cubana de 1959 é precisamente tomar esse caráter autocrítico, esse caráter criativo que nos levou ao poder em 1959, no país em que menos se podia pensar isso. Ninguém podia pensar que se poderia tomar o poder a 150 km da costa americana, com uma base militar norte-americana em nosso território. Isso é muito importante. E é assim que o nosso povo recebe o 50º aniversário, mais que com atos grandes, mas com discussões.

Neste momento, há milhões de cubanos que estão discutindo em seus sindicatos uma nova lei salarial. Porque nós caímos em um falso igualitarismo. A gente recebia o mesmo, se trabalhasse ou não. E neste momento estamos fazendo uma reforma salarial profunda e não a estamos fazendo por decreto. Estamos discutindo com todos os trabalhadores, com os estudantes, em assembléia. Essa é a melhor forma de festejar o 50º aniversário da Revolução Cubana.

24 novembro 2008

A crise da extrema esquerda

Os resultados das eleições municipais vieram corroborar o que o cenário político nacional já permitia ver: o esgotamento do impulso da extrema esquerda, que tinha sido relançada no começo do governo Lula. A votação em torno de 1% de dois dos seus três parlamentares, candidatos a prefeito em São Paulo e no Rio de Janeiro, com votações significativamente menores do que as que tiveram como candidatos a deputados, sem falar na diferença colossal em relação à candidata à presidência, apenas dois anos antes – são a expressão eleitoral, quantitativa, que se estendeu por praticamente todo o país, do esgotamento prematuro de um projeto que se iniciou com uma lógica clara, mas esbarrou cedo em limitações que o levam a um beco difícil, se não houver mudança de rota.

A Carta aos Brasileiros, anunciando que o novo governo não iria romper nenhum compromisso – nesse caso, com o capital financeiro, para bloquear o ataque especulativo, medido pelo "risco Lula" -, a nomeação de Meirelles para o Banco Central e a reforma da previdência como primeira do governo – desenharam o quadro de decepção com o governo Lula, que levaria à saída do PT de setores de esquerda. A orientação assumida pelo governo inicialmente, em que a presença hegemônica de Palocci fazia primar os elementos de continuidade com o governo FHC sobre os de mudança – estes recluídos basicamente na política externa diferenciada e em setores localizados – e a reiteração de um governo estritamente neoliberal davam uma imagem de um governo que era considerado pelos que abandonavam o PT, como irreversivelmente perdido para a esquerda.

O dilema para a esquerda era seguir a luta por um governo anti-neoliberal dentro do PT e do governo ou sair para reagrupar forças e projetar a formação de uma nova agrupação. Naquele momento se cogitou a constituição de um núcleo socialista, dos que permaneciam e dos que saíam do PT, para discutir amplamente os rumos a tomar. Não apenas cabia uma força à esquerda do PT, como se poderia prever que ela seria engrossada por setores amplos, caso a orientação inicial do governo se mantivesse.

Dois fatores vieram a alterar esse quadro. O primeiro, a precipitação na fundação de um novo partido – o Psol -, com o primeiro grupo que saiu do PT – em particular a tendência morenista – passando a controlar as estruturas da nova agremiação. Isto não apenas estreitou organizativamente o novo partido, como o levou a posições de ultra-esquerda, responsáveis pelo seu isolamento e sectarização. A candidatura presidencial nas eleições de 2006 agregou um outro elemento ao sectarismo, que já levaria a uma posição de eqüidistância em relação ao governo Lula. O raciocínio predominante foi o de que o governo era o melhor administrador do neoliberalismo, porque além de mantê-lo e consolidá-lo, o fazia dividindo e confundindo a esquerda, neutralizando a amplos setores do movimento de massas. Portanto deveria ser derrotado e destruído, para que uma verdadeira esquerda pudesse surgir. O governo Lula e o PT passaram a ser os inimigos fundamentais da nova agrupação.

Esse elemento favoreceu a aliança – já desenhada no Parlamento, mas consolidada na campanha eleitoral – com a direita – tanto com o bloco tucano-pefelista, como com a mídia oligárquica -, na oposição ao governo e à reeleição de Lula. A projeção midiática benevolente da imagem da candidata do Psol lhe permitia ter mais votos do que os do seu partido, mas comprometia a imagem do partido com uma campanha despolitizada e oportunista, em que a caracterização do governo Lula não se diferenciava daquela feita na campanha do "mensalão". Como se poderia esperar, apesar de algumas resistências, a posição no segundo turno foi a do voto nulo, isto é, daria igual para o novo partido a vitória do neoliberal duro e puro Alckmin ou de Lula. (Se tornava linha nacional oficial o que já se havia dado nas primeiras eleições em que o Psol participou, as municipais, em que, por exemplo, em Porto Alegre, diante de Raul Pont e Fogaça, no segundo turno, se afirmou que se tratava da nova direita contra a velha direita e se decidiu pelo voto nulo.)

Uma combinação entre sectarismo e oportunismo foi responsável pelo comprometimento da orientação política do novo partido, que o levou a perder a possibilidade de formação de um partido à esquerda do PT, que se aliasse a este nos pontos comuns e lutasse contra nos temas de divergência. O sectarismo levou a que sindicatos saíssem da CUT, sem conseguir se agrupar com outros, enfraquecendo a esquerda da CUT e se dispersando no isolamento. Levou a que os parlamentares do Psol votassem contra o governo em tudo – até mesmo na CPMF – e não apoiassem as políticas corretas do governo – como a política internacional, entre outras. Esta se dá porque o governo brasileiro tem estreita política de alianças com as principais lideranças de esquerda no continente – como as de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia -, que apóiam o governo Lula, o que desloca completamente posições de ultra-esquerda – que se reproduzem de forma similar a dessa corrente no Brasil nesses países -, deixando de atuar numa dimensão fundamental para a esquerda – a integração continental.

Por outro, o governo Lula passou a outra etapa, com a saída de vários de seus ministros, principalmente Palocci, conseguindo retomar um ciclo expansivo da economia e desenvolvendo efetivas políticas de distribuição de renda, ao mesmo tempo que recolocava o tema do desenvolvimento como central – deslocando o da estabilidade, central para o governo FHC -, avançando na recomposição do aparelho do Estado, melhorando substancialmente o nível do emprego formal, diminuindo o desemprego, entre outros aspetos. A caracterização do governo Lula como expressão consolidada do neoliberalismo, um governo cada vez mais afundado no neoliberalismo – reedição de FHC, de Menem, de Carlos Andrés Perez, de Fujimori, de Sanchez de Losada – se chocava com a realidade.

Economistas da extrema esquerda continuaram brigando com a realidade, anunciando catástrofes iminentes, capitulações de toda ordem, tentando resgatar sua equivocada previsão sobre os destinos irreversíveis do governo, tentando reduzir o governo Lula a uma simples continuação do governo FHC, reduzindo as políticas sociais a "assistencialismo", mas foram sistematicamente desmentidos pela realidade, que levou ao isolamento total dos que pregam essas posições desencontradas com a realidade.

O isolamento dessas posições se refletiu no resultado eleitoral, em que todas as correntes de ultra-esquerda ficaram relegadas à intranscendência política, revelando como estão afastadas da realidade, do sentimento geral do povo, dos problemas que enfrenta o Brasil e a América Latina. As políticas sociais respondem em grande parte pelos 80% de apoio do governo,rejeitado por apenas 8%. Para a direita basta a afirmação do "asisistencialismo" do governo e da desqualificação do povo, que se deixaria corromper por "alguns centavos", mas a esquerda não pode comprá-la, por reacionária e discriminatória contra os pobres.

Confirmação desse isolamento e de perda de sensibilidade e contato com a realidade é que não se vê nenhum tipo de balanço autocrítico, sequer constatação de derrota da parte da extrema esquerda. Se afirma que se fizeram boas campanhas, não importando os resultados, como se se tratassem de pastores religiosos que pregam no deserto, com a consciência de que representam uma palavra divina, que ainda não foi compreendida pelo povo. (Marx dizia que a pequena burguesia sofre derrotas acachapantes, mas não se autocrítica, não coloca em questão sua orientação, acredita apenas que o povo ainda não está maduro para sua posições, definidas essencialmente como corretas, porque corresponderiam a textos sagrados da teoria.)

Não fazer um balanço das derrotas, não se dar conta do isolamento em que se encontram, da aliança tácita com a direita e das transformações do governo Lula – junto com as da própria realidade econômica e social do país –, da constatação do caráter contraditório do governo Lula, que não deveria ser se inimigo fundamental revelariam a perda de sensibilidade política, o que poderia significar um caminho sem volta para a extrema esquerda. Seria uma pena, porque a esquerda brasileira precisa de uma força mais radical, que se alie ao PT nas coincidências e lute nas divergências, compondo um quadro mais amplo e representativo, combinando aliança a autonomia, que faria bem à esquerda e ao Brasil.

Emir Sader é sociólogo e professor.

14 novembro 2008

A LÓGICA DA GANÂNCIA!

Os lucros excessivos provocaram a crise

Em 1951, um ex-presidente do Banco Central dos EUA escreveu, a propósito da crise de 1929: "Se a riqueza nacional tivesse sido melhor repartida, se as empresas se tivessem contentado com lucros menos elevados, se as classes mais ricas tivessem auferido rendimentos mais baixos e os agregados familiares mais modestos remunerações mais elevadas, a estabilidade da nossa economia teria sido maior."

Quando, daqui a alguns meses, se procurar atenuar a atual recessão através de uma política de investimentos públicos, deveria aproveitar-se a ocasião para erguer um monumento à memória de Marriner Stoddard Eccles, presidente do Banco Central dos EUA, de 1934 a 1948, e aí gravar páginas do seu Beckoning Frontiers [New York: Ed. Alfred A. Knopf, 1951] onde analisa, em pormenor, as causas do colapso económico de 1929-1930 e da grande depressão que se lhe seguiu.

Segundo M.S. Eccles, as grandes desigualdades na repartição do rendimento líquido nacional entre salários e lucros estão na origem da Grande Depressão: salários baixos para a grande massa dos americanos, lucros elevados para as empresas, confiscados por uma minoria:

"Se a riqueza nacional tivesse sido melhor repartida, isto é, se as empresas se tivessem contentado com lucros menos elevados, se as classes mais ricas tivessem auferido rendimentos mais baixos e os agregados familiares mais modestos remunerações mais elevadas, a estabilidade da nossa economia teria sido maior."

E Eccles acrescenta ainda:

"Se, por exemplo, os seis bilhões de dólares investidos pelas empresas e pelas grandes fortunas na especulação bolsista tivessem sido aplicados numa política de redistribuição baseada na descida dos preços ou em aumentos salariais, com a conseqüente diminuição dos lucros das empresas e dos mais ricos, teria sido possível impedir ou pelo menos atenuar, em grande medida, o colapso econômico desencadeado em 1929."

Quer se trate do texto original completo de M.S. Eccles quer da tradução francesa, todos os que procuram refletir sobre as reformas do capitalismo neles encontrarão matéria para meditar.

De uma maneira geral, é costume distinguir diferentes tipos de crise: crise do crédito com a correspondente crise bancária, seguida de uma crise bolsista - é a que estamos a viver neste momento; crise bolsista por esvaziamento de bolha especulativa, a de 2000-2001; derrocada da bolsa seguida da ruína do tecido industrial, como foi a crise de 1929. Eccles propõe, todavia, um diagnóstico que pode ser aplicado a todas estas crises.

Quando o excesso de lucros se concentra nas mãos de um punhado de homens, o capital acumulado alimenta a especulação bolsista ou a distribuição de créditos a risco. Quando os salários se mantêm baixos, as famílias consomem a crédito fácil até o esgotarem e despreza-se assim a solvência e o investimento de capital em novos meios de produção.

Nestas condições, o que deverá ser feito para reformar utilmente o capitalismo?

Acabar com as "golden parachute" (reformas douradas) ou estabelecer patamares de remunerações para os banqueiros são medidas populares mas, no fundo, irrisórias. Acabar com os paraísos fiscais, regulamentar os mercados financeiros que três décadas de liberalismo desregrado deitaram abaixo, tudo isto é sensato, mas insuficiente.

Aumentar os salários e reduzir os lucros seria perfeitamente legítimo mas como incrementar tais medidas quando o desemprego atinge níveis elevados e paralisa as reivindicações dos trabalhadores? Na França, o Estado poderia talvez começar por pôr fim aos incentivos fiscais e seletivos, abandonar o slogan "trabalhar mais para ganhar mais" e deixar de culpar os desempregados.

A partir de 1933, Franklin D. Roosevelt tomou três iniciativas no quadro do New Deal: reduziu os horários de trabalho para quarenta horas semanais sem redução dos salários, indenizou os desempregados e colaborou com os sindicatos.

Fonte: agencia carta maior

01 novembro 2008

Campanha salarial 2008!

Diferenças têm de ser pagas em novembro
Acerto dos valores deve ser retroativo a 1º de setembro, data-base da categoria

São Paulo – Todos os bancários de instituições financeiras públicas e privadas têm diferenças salariais e nas verbas – auxílios educação, creche/babá e cesta-alimentação – a receber.

Como a data base da categoria bancária é 1º de setembro – e essas diferenças não foram pagas nesse dia 31 – os bancários têm que receber o saldo relativo aos meses de setembro, outubro e novembro. No caso das verbas, o índice de reajuste a ser aplicado é de 8,15% – veja quadro.

Para os salários, as diferenças a serem calculadas referem-se aos índices de 10%, para quem ganha até R$ 2.500, e de 8,15% para quem ganha acima de R$ 2.500.



Diferenças salariais (R$)
Item
2007
2008
Diferença a receber
Auxílio-Refeição
323,91
350,31
79,20
Cesta-Alimentação
252,36
272,93
61,70
Auxílio-Creche/Babá
181,39
196,18
44,35

Elaboração: DIEESE Subseção SESE/Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região