29 janeiro 2014

Nota de Zé Maria sobre a proposta da Frente de Esquerda nas eleições 2014 .

Nota de Zé Maria sobre a proposta da Frente de Esquerda nas eleições 2014

O PSTU, no final do ano passado, lançou o meu nome como pré-candidato à Presidência da República mantendo e reafirmando, ao mesmo tempo, a proposta de constituição de uma Frente de Esquerda envolvendo, alem do próprio PSTU, também o PSOL e o PCB.

Em entrevistas à imprensa recentemente, o pré-candidato lançado pelo PSOL, senador Randolfe Rodrigues, tem anunciado suas propostas e informa que convidou a ex-deputada Luciana Genro para ser sua candidata à vice, ao mesmo tempo em que diz estar “conversando” com o PSTU e o PCB no sentido da constituição da Frente. Da parte do PSTU, esclarecemos que não fomos contatados, nem houve qualquer conversa com a direção do PSOL até agora.
Estranhamos essa situação na medida em que a construção de uma Frente pressupõe acordo sobre o programa da candidatura, critérios para financiamento, independência de classe, etc. Já havíamos tornado pública nossa preocupação pela distância programática que existe entre nós e as propostas defendidas pelo pré-candidato definido pelo PSOL. Assim, não temos como deixar de registrar que a proposta de assegurar tarifa zero para o transporte público com aumento progressivo do IPTU, conforme dito pelo senador em entrevista ao Jornal Zero Hora de quatro de janeiro, o que manteria o controle das empresas privadas, não tem o nosso acordo. Tampouco o governo João Goulart é referência para nossa proposta de reforma agrária.
O transporte público deve ser estatizado para acabar com as máfias que controlam o setor e para garantir um serviço de qualidade a toda população. A reforma agrária que queremos fazer implica no fim do latifúndio e do domínio do agronegócio sobre as terras do país, de modo que elas possam ser usadas para produzir alimentos para o povo.
Esse é o caminho que precisamos adotar se queremos realmente mudar o país e atender as demandas que a juventude e os trabalhadores levaram às ruas nas jornadas de junho passado. Caso contrário, seríamos “mais do mesmo” que aí está. O programa da Frente de Esquerda deve partir das lutas da juventude e dos trabalhadores e suas reivindicações para mudar efetivamente o nosso país. E é a serviço destas lutas para mudar o país que deve estar a campanha da esquerda socialista.
Por outro lado, lembramos que a constituição da Frente de Esquerda pressupõe o respeito ao espaço de todos os partidos que comporão a aliança. Isso significa que, entre outros critérios, caso o PSOL venha a indicar o candidato à presidente na frente de esquerda, obviamente a candidatura à vice deve ficar com o PSTU.
Nas próximas semanas, realizarei uma rodada de debates e palestras por várias regiões do país apresentando as ideias que o nosso partido tem para as eleições presidenciais e também para as tarefas e desafios colocados pela luta da nossa classe durante todo este ano, com destaque para as mobilizações que queremos construir no período da Copa do Mundo.

São Paulo, 28 de janeiro de 2014
Zé Maria

28 janeiro 2014

Sobre racismo, direitos civis, rolezinhos e os templos do Capital.


Polícia reprime jovens em 'rolezinho' no Shopping Itaquera
O racismo burguês ocidental com relação ao negro 
e ao árabe é um racismo de desprezo; é um racismo que minimiza (...)
 O racismo da jovem burguesia nacional é 
um racismo de defesa, um racismo baseado no medo
 
Frantz Fanon (“Os condenados da Terra”)
 
A onda dos “rolezinhos”, apesar da violenta repressão, está longe de acabar. Como também as polêmicas em torno deste verdadeiro “fenômeno social”. Nas últimas semanas, vimos ataques fascistóides de um funcionário da “Veja”; empresários furiosos esperneando em defesa do seu direito “sagrado” à propriedade privada e endinheirados “diferenciados” horrorizados por ter seu paraíso de consumo “invadido” por gente pobre, preta e “incivilizada”. 
 
Também, infelizmente, não faltaram trabalhadores e jovens (principalmente nas redes sociais) criticando a mobilização espontânea de jovens em busca do mínimo de lazer, geralmente embalados pela grande mídia.
 
Por coincidência, enquanto isso, nos Estados Unidos, na segunda-feira, 20 de janeiro, era celebrado o “Dia de Martin Luther King”, feriado criado em 1983 e que cai na terceira segunda-feira de janeiro, próximo ao aniversário do líder negro (15 de janeiro de 1929). 
 
A data poderia servir como ponto de partida para uma reflexão sobre a história do líder negro, mas não é este o propósito deste artigo. A coincidência com os “rolezinhos” faz com que, este ano, a lembrança da luta de Luther King (como também de Malcolm X, dos Panteras Negras e tantos outros) pelos direitos civis nos remeta ao presente e não ao passado; nos possibilite falar do Brasil, não dos Estados Unidos.
 
Separados por quase 50 anos e por inúmeras diferenças em relação à “intensidade”, à importância histórica e aos objetivos, as lutas de negros e negras norte-americanos e manifestações espontâneas que pipocaram nos shoppings brasileiros têm, contudo, algo em comum: o desprezo, o medo e a permanente tentativa de inferiorização e segregação alimentados pelo racismo burguês, como foi apontado muito bem por Franz Fanon, um dos líderes da revolução argelina, nos anos 1950.
 
Medo e desprezo que, em relação aos “rolezinhos”, vieram à tona com toda a força (e um asco ainda maior) nas palavras de Rodrigo Constantino, um empregado da revista “Veja” que, na edição do dia 14 de janeiro, não fez a menor questão de mascarar seu racismo, elitismo e ódio de classe ao sintetizar em um parágrafo o que pensa sobre a juventude negra e pobre da periferia.
 
Para Constantino, os participantes dos rolezinhos “não toleram as “patricinhas” e os “mauricinhos”, a riqueza alheia, a civilização mais educada. Não aceitam conviver com as diferenças, tolerar que há locais mais refinados que demandam comportamento mais discreto, ao contrário de um baile funk. São bárbaros incapazes de reconhecer a própria inferioridade, e morrem de inveja da civilização”.
 
Nojenta, no mínimo, a declaração de Constantino, contudo, como veremos, sequer é “original”. E, talvez, seu único mérito seja dizer, com todas as letras, o que realmente causa “horror” à burguesia em relação aos “rolezinhos”; descortinar o que nossa hipócrita elite pensa e costuma mascarar sob farsas como a da “democracia racial”, da “igualdade de direitos e oportunidades” ou da “fraternidade entre os povos”. 
 
Nos EUA: “separados, mas iguais”
Se tivesse nascido no final do século 19, Constantino, com certeza, estaria entre os formuladores ou defensores de teses como a da eugenia (superioridade “natural” da raça branca em relação às demais). E, se fosse norte-americano, teria sido um orgulhoso signatário das leis “Jim Crow” que vigoraram entre 1876 e 1965 e formaram o alicerce da segregação racial naquele país. 
 
Na semana passada, ao celebrarem Luther King, os negros norte-americanos festejavam, acima de tudo, o papel que o pastor negro (independentemente das muitas diferenças que tenhamos com ele, como o anticomunismo e pacifismo que marcaram a maior parte de sua trajetória) inegavelmente cumpriu na destruição de uma das legislações mais racistas que existiram no planeta. 
 
Anteriores até mesmo ao apartheid sul-africano, foram estas leis que impuseram a segregação racial em todo e qualquer local público, particularmente no sul dos Estados Unidos, em base a uma lógica digna da hipocrisia burguesa: já que negros e negras são natural e incorrigivelmente inferiores e menos capazes que brancos, seria uma “injustiça” deixá-los conviver lado a lado com os “mais civilizados”. Dentro desta lógica perversa, “separar” seria a melhor forma para dar mais “oportunidades” para os negros, limitados pela sua própria “inferioridade”. 
 
Assim, por serem “menos inteligentes”, negros se dariam melhor em escolas segregadas, com currículos medíocres e condições precárias, “à altura” de sua incapacidade. Por serem menos “racionais”, não poderiam ter acesso a empregos que ultrapassassem o esforço físico. E, em função de sua inadequação nata à “civilização”, também não poderiam frequentar ou utilizar os mesmos banheiros, restaurantes, meios de transportes e até bebedouros que os brancos. 
 
É exatamente esta mesma lógica torta que se encontra por trás dos argumentos de Constantino e muitos outros que têm atacado os “rolezinhos”. E o objetivo são os mesmos: garantir os privilégios de uma minoria de brancos endinheirados e impedir o acesso da grande maioria a todo e qualquer direito (inclusive o de consumo e lazer) 
 
No Brasil, defesa da “ordem” para o progresso dos brancos e ricos 
Em nosso país, como se sabe, nunca existiu uma legislação tão abertamente segregacionista, algo que o funcionário da “Veja”, com certeza, deve lamentar. Mas, contudo, também por aqui suas ideias não têm nada de novo. Muito pelo contrário. Ele pouco mais faz do que “requentar” as teses de seus ancestrais ideológicos como Nina Rodrigues (1862-1906) e Silvio Romero (1851-1914), que, também no final do século 19, estiveram na raiz da “teoria do embranquecimento”, prima-irmã do mito da democracia racial.
 
No mesmo momento em que a elite republicana pregava que para que houvesse “progresso” era necessário garantir a “ordem”, Nina Rodrigues, por exemplo, destacou-se por sua defesa (no livro “Os Africanos no Brasil”) de que “a igualdade de direitos é uma utopia” e de que a “raça negra no Brasil (...) há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo”, já que “a constituição orgânica do negro, modelado pelo habitat físico e moral em que se desenvolveu, não comporta uma adaptação à civilização das raças superiores, produtos de meios físicos e culturais diferentes”. 
 
Ou seja, negros e negras seriam, desde sempre, porta-vozes da “desordem”, do “caos” e do “atraso”. Palavras que rechearam muitos dos comentários feitos em relação “rolezinhos” e, particularmente os de Constantino que, mais uma vez, nos fez o “favor” de evidenciar que tipo de “ordem” e a serviço de que de “progresso” os “rolezinhos” devem ser reprimidos.
 
Referindo-se a uma foto em um dos shoppings ocupados, o serviçal da “Veja” foi direto ao ponto: “O que vemos acima se chama “arrastão”. Uma turba de bárbaros invadindo uma propriedade privada para fazer baderna não é protesto ou “rolezinho”, mas invasão, arrastão, delinquência. O primeiro passo para vencer esse avanço da barbárie é chamá-la pelo nome certo. Selvagens que cospem na civilização não são “manifestantes” coisa alguma. (...) Por fim, vale mencionar o direito de propriedade privada (...).Os “rolezinhos” da inveja precisam ser duramente repreendidos e punidos. Caso contrário, será a vitória da barbárie sobre a civilização”.
 
Clamando quase em desespero pela repressão policial, Constantino deixa evidente a quem realmente serve: aos donos dos shoppings, aos lojistas, às empresas que neles comercializam seus produtos, aos que lucram com a publicidade, como também aos consumidores “civilizados” que têm grana suficiente para fazer girar a roda do Capital.  
 
Para gente como ele, todo o resto da humanidade não serve, pode ser segregado, humilhado, descartado e tratado como lixo. E o fato de que, no Brasil, a maioria deste “resto” ser negra não é um detalhe. Muito pelo contrário. É um elemento determinante tanto para as leis Jim Crow quanto para Nina Rodrigues e Silvio Romero; tanto no apartheid quando para os shoppings (e, por tabela) a sociedade idealizada por Constantino e aqueles que compartilham suas ideias.
 
Essa distinção, inclusive, está evidente no tratamento “diferenciado” que seria dado se o shopping fosse “invadido” por aqueles que todos racistas e elitistas apontam como “civilizados” e “dignos” de circular e se divertir nos shoppings, como destacou o antropólogo Alexandre Barbosa Pereira (em entrevista a Eliane Brum, para o “El País Brasil”): “Se fosse um grupo numeroso de jovens brancos de classe média, como aconteceu várias vezes, seria interpretado como um flash mob?”. 
 
Shoppings: templos sagrados do Capital?
Que sujeitos como Constantino tenham atacado os “rolezinhos” e seus participantes não causa nenhuma surpresa (basta ver sua “ficha corrida” abaixo). Contudo, lamentavelmente, também não faltaram críticas por parte de setores da classe média e, inclusive, dentre aqueles que o funcionário da “Veja”, com certeza, inclui entre os “não civilizados”.
 
Nas redes sociais, por exemplo, não é difícil achar gente criticando os jovens, afirmando que eles ganhariam mais fazendo “rolezinhos” em bibliotecas, no serviço comunitário, nas filas de doação de sangue e coisas do gênero. Quando não reproduzindo argumentos da “direita moderna”, atacando os jovens pelas roupas que vestem, pela música que escutam ou pela forma que se comportam.
 
Em geral, estes setores, reproduzindo a ideologia dominante, desconsideram um fato relativamente simples: esses jovens, com certeza, estariam fazendo qualquer outra coisa de suas vidas ao invés de buscar diversão num shopping caso tivessem condições e oportunidades para tal. Por exemplo, se tivessem como pagar, poderiam estar em cinemas e teatros, nos parques de diversão ou nas baladas que, noite após noite, lotam e “tumultuam” as ruas do centro e dos bairros “diferenciados”.
 
E é bom lembrar que, exatamente pela falta de opções, os “rolezinhos” não são exatamente uma “novidade”. É verdade que nunca haviam tomado a dimensão atual (algo que só pode ser explicado pelo impacto que as Jornadas de Junho ainda têm na juventude), mas, há muito, encontros semelhantes vêm ocorrendo, promovidos por “seguidores” de usuários do Facebook, grupos específicos (como LGBT’s, fãs de uma determinada banda etc.), sempre congregando algumas dezenas ou centenas de jovens.
 
Culpá-los ou criminalizá-los por buscarem lazer num dos poucos espaços públicos (afinal, shoppings são locais abertos ao público) aos quais têm acesso sem precisar, a princípio, gastar um centavo, significa apontar para as consequências e não para as causas, poupando o único e verdadeiro culpado: o mesmo sistema capitalista defendido pelos “constantinos” da vida, que garante benefícios, serviços e regalias a uma parcela minúscula da sociedade, em base à opressão e exploração da enorme maioria.
 
E vale lembrar que o mesmo poderia ser dito sobre o “funk ostentação” que embalou muitos dos “rolezinhos”. Pode-se (e deve-se) questionar a perspectiva ideológica que está embutida nas letras (que além de exaltar o modo de vida burguês, geralmente estão permeadas por machismo, homofobia e uns tantos outros preconceito). Mas, também, não há como negar que eles são expressões da mesma ideologia inculcada na grande maioria da população que, se não manifesta as mesmas ilusões em música, o faz, cotidianamente, em função de falta ou da distorção de consciência de classe. 
 
 Ao mesmo tempo, aqueles que criticam os jovens da periferia por procurarem diversão num shopping, alegando que isto é um absurdo na medida em que eles são um símbolo máximo do consumismo e do próprio Capital, também não consideram uma questão fundamental e umas das principais armas da burguesia: a ideologia, ou seja, as falsas ideias e a visão distorcida do mundo que é propagandeada cotidiana e insistentemente pela mesma elite e meios de comunicação que, hoje, condenam os “rolezinhos” e clamam pelo uso da polícia para defender seus interesses.
 
São eles os mesmos hipócritas que investem milhões em publicidade para incentivar o consumo; são eles que vendem a ilusão da possibilidade de ascensão social e da igualdade de direitos; são eles que enfiam na cabeça das pessoas a ideia de que uma roupa de grife, um celular de última geração, um óculos ou tênis importados serão garantia de aceitação ou respeito pela sociedade. 
 
Uma farsa que, geralmente, não passa sequer pela porta dos locais de consumo destinados à elite. Todo e qualquer negro ou negra sabe que, no dia-a-dia, os shoppings são ambientes mais do que racistas e hostis. Basta passar pela porta de um deles que, geralmente, ganhamos alguns “amigos involuntários”: os seguranças. E, dentro das lojas, há duas situações clássicas: sermos tratados como invisíveis (já que nossa aparência é “indício” da falta de grana) ou como perigo em potencial, já que “negro parado é suspeito, correndo é ladrão”.
 
Os jovens da periferia certamente percebem isto, mas, seja pela falta de opções ou levados pela ideologia dominante, relevam o assédio ou a humilhação (ou se agrupam, para se sentirem mais seguros) para exercer direitos que não lhes pode ser negado: o de ir e vir, o de frequentar qualquer lugar público.
 
Quem são os selvagens? Quem causa a desordem? 
Ao atacarem os “rolezinhos”, promoverem o Massacre do Pinheirinho e tantas outras remoções e despejos; tratarem os dependentes químicos da Cracolândia como animais ou incentivarem ou se calarem diante do genocídio que vitimou Amarildo, Jean, Douglas e tantos outros, movidos pelo racismo, o medo e o desprezo, a elite brasileira, sua polícia e seus porta-vozes revelam que são os verdadeiros selvagens: eles próprios e sua ganância criminosa.
 
Ao imporem um sistema desigual, injusto, opressor e explorador também são estes “sinhozinhos modernos”, brancos em sua quase totalidade, que promovem a “desordem” da miséria; o caos no transporte, na moradia, na educação; a selvageria da fome e o terror da opressão e da repressão policial (fardada ou covardemente encapuzada). 
 
São eles, acobertados pelos políticos que ajudaram a eleger (do fascista Alckmin aos “conciliadores” Haddad e Dilma), os verdadeiros responsáveis inclusive dos “rolezinhos”, pois são eles próprios que impedem a existência de opções de cultura e lazer para grande maioria dos trabalhadores e da juventude, fazendo das periferias apenas dormitórios insalubres onde o povo pobre e preto só tem direito a poucas horas de descanso depois de exaustivas horas de trabalho.
 
Por isso, só há uma postura possível diante dos “rolezinhos”: a solidariedade ativa, como demonstrada pelos movimentos negro e sociais, no último dia 19, no protesto em frente ao Shopping JK Iguatemi, em São Paulo. Ou como na ocupação do Shopping Higienópolis promovida, em fevereiro de 2012, pelas entidades (como o Quilombo Raça e Classe) que compõem o Comitê o Contra o Genocídio da Juventude Negra (veja o vídeo aqui). 
 
O “grande rolê” ainda está por vir
Quando os jovens ocupam os shoppings certamente eles, mesmo que inconscientemente, fazem ecoar os versos de um belo poema do alemão Bertold Brecht e uma igualmente genial letra do brasileiro Lúcio Barbosa (gravada por Zé Geraldo e Zé Ramalho).
 
Em “Quem faz a História”, Brecht nos lembra: “Quem construiu a Tebas das sete portas? / Nos livros constam os nomes dos reis / Os reis arrastaram os blocos de pedra? / E a Babilônia tantas vezes destruída / Quem ergueu outras tantas?”. Enquanto em “Cidadão”, Barbosa dá voz a um peão que lamenta: “Tá vendo aquele edifício moço? / Ajudei a levantar / Foi um tempo de aflição / Eram quatro condução / Duas pra ir, duas pra voltar / Hoje depois dele pronto / Olho pra cima e fico tonto / Mas me chega um cidadão / E me diz desconfiado, tu tá aí admirado / Ou tá querendo roubar?”
 
Poesia e letra que nos lembram que, se hoje, shoppings e os produtos que neles existem, prédios e casas, fábricas e bancos, escolas e hospitais (como também a infraestrutura construída para a Copa e as Olimpíadas) são propriedades privadas a serviço da elite e do Capital. Mas nada disto pode ser visto como exclusivo “deles”, do 1% que se apropria de quase tudo que é produzido. 
 
Se no presente é assim, isto não pode ser tomado como “natural” e irreversível. As Jornadas de Junho, e tantas lutas que vieram antes ou depois, provaram que é possível lutar contra está lógica selvagem e desumana. 
 
Por isso mesmo, temos certeza que novos “rolês” virão. Seja nas ruas, como já estamos vendo país afora na campanha “Na Copa vai ter luta”, seja em shoppings ou nos terrenos e prédios ociosos. Esse é o único caminho para acabar com a segregação racial, a opressão em todas suas variantes e a exploração. E assim há de ser até que possamos varrer, para sempre, a selvageria imposta pelo Capitalismo.  
 
Quem é Rodrigo Constantino
Conhecido entre seus próprios pares (de acordo com a revista “Época”) como “um dos trombones da direita brasileira”, Constantino tem formação em economia, é presidente do Instituto Liberal e fundador do Instituto Millenium (que se autoproclama como a “direita moderna” e é financiado por grandes empresários e empresas de comunicação).
 
Sua especialidade é destilar veneno conservador e reacionário com a maior carga possível, tanto para agradar seus patrões na “Veja”, no “Valor Econômico” e “O Globo” (e os que os financiam, evidentemente) quanto para atrair o máximo de holofotes sobre si próprio.
 
A título de exemplo, basta lembrar algumas de suas ideias. A serviço dos latifundiários e madeireiros já defendeu a privatização da floresta amazônica sob o controle das empresas de reflorestamento (nominalmente Aracruz, Klabin, Suzano e Votorantin). 
 
Sintonizado com os racistas em geral e os empresários do comércio, em particular, Constantino também é contrário à decretação de feriado no Dia da Consciência Negra e, obviamente, também é contra cotas. Tudo isso como parte de sua defesa de que vivemos numa “democracia racial”. 
 
O apego ao lucro e aos interesses do Capital neste sujeito ultrapassa inclusive critérios básicos do que se poderia chamar de “humanidade”. O exemplo mais patético disto é sua defesa de um “livre mercado de órgãos humanos”. E, com o currículo que tem, não é difícil imaginar quais seriam a raça e a classe daqueles que teriam seus órgãos colocados à 

20 janeiro 2014

FGTS: Juiz pede à CEF que FGTS seja corrigido.


Curitiba - Uma decisão do juiz substituto da 2ª Vara Cível de Foz do Iguaçu (PR), Diego Viegas Veras, poderá alterar o método de correção do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Em uma decisão inédita, ele condenou a Caixa Econômica Federal (CEF) a trocar a Taxa Referencial (TR) pelo Índice de Preços ao ConsumidorAmplo Especial (IPCA-E) a partir de janeiro de 1999 até o dia em que o saldo fosse sacado pelo trabalhador em sentença promulgada no último dia 15. A CEF ainda não se pronunciou sobre a decisão.Segundo o despacho, a TR "não tem promovido a necessária atualização" do saldo. A decisão, porém, é de 1ª instância e cabe recurso. "Por meio da presente demanda, seja a ré condenada a substituir o índice de correção monetária aplicado às contas vinculadas do FGTS (Taxa Referencial - TR) pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC ou pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, com o pagamento das diferenças decorrentes da alteração. Em síntese, alega que a TR, índice atualmente utilizado, não tem promovido a necessária atualização do saldo existente na conta fundiária, uma vez que se encontra em patamar inferior àqueles utilizados para indicação do porcentual de inflação, como é o caso do IPCA ou do INPC", anota.Além dessas observações, o juiz destaca que o "Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de não reconhecer a TR como índice capaz de corrigir a variação inflacionária da moeda, não servindo, portanto, como índice de correção monetária". Essa decisão, apesar de inédita, compõe um conjunto de 29.350 ações em que os correntistas pediram a substituição dos índices. A CEF havia informado de que saíra vencedora em 13.664 casos que tiveram decisões.Para o juiz, o fato da TR não acompanhar o índice inflacionário não a permite ser usada como referência. "Não sendo a Taxa Referencial (TR), índice disposto pela Lei 8.177/91, hábil a atualizar monetariamente tais saldos, e estando tal índice em lei não específica do FGTS, entende-se que como inconstitucional a utilização da TR para tal fim, subsistindo a necessidade de aplicar-se índice de correção monetária que reflita a inflação do período", concluiu.

19 janeiro 2014

‘A intenção foi mesmo fazer um meio de lazer’

Organizador do primeiro grande 'rolezinho' explica que a ideia do evento era conhecer novas pessoas

18 de janeiro de 2014 | 17h 33
Lourival Sant’Anna - O Estado de S. Paulo
Jefferson Luís, ou MC Jota L, seu nome artístico, é o primeiro organizador conhecido de um "rolezinho" no shopping, nos moldes dos que foram feitos a partir de dezembro. Numa amostra da criminalização do tema, o rapaz de 20 anos, que trabalha como entregador e mora em uma favela na Avenida Guarulhos, agora tem advogada e prefere não dar seu sobrenome nem comentar eventuais problemas com a polícia. Em entrevista ao Estado, ele explica que a intenção inicial era criar opção de lazer.
Criador do primeiro grande 'rolezinho, Jefferson Luís, mora em uma favela na Avenida Guarulhos. - Lourival Sant’Anna /Estadão
Lourival Sant’Anna /Estadão
Criador do primeiro grande 'rolezinho, Jefferson Luís, mora em uma favela na Avenida Guarulhos.
Como surgiu a ideia de convidar para o rolezinho?
A ideia inicial foi reunir os jovens para se encontrar no shopping e fazer as coisasnormais que os outros fazem: tomar sorvete, conhecer pessoas novas. A intenção foi mesmo fazer um meio de lazer, que a gente não tem em Guarulhos nem em São Paulo. No fim de semana, jogo bola, empino pipa com a criançada e internet. A única coisa que a gente tem é isso. O único lugar de lazer é o Bosque Maia, que não tem atrativo para jovem.
E como foi lá?
Eu convidei meus colegas, que foram convidando outros colegas, foi juntando gente. Daí, a gente marcou um local exato, não o horário do encontro para não tumultuar de muita gente. A gente falou: cada um vai no horário que quiser, como se estivesse indo no shopping normalmente. Quando for a hora de ir embora, 8 horas, a gente se encontra na saída, conversa, tira foto e vai embora.
Teve tumulto?
Houve um corre-corre, um mal-entendido, não teve roubo nem arrastão. Acho que eles estão colocando muita coisa onde não tem. Teve um tumulto, sim, mas não foi tudo isso que as pessoas estão pensando que foi. No momento do corre-corre, eu não estava dentro do shopping. Meus colegas me disseram que estava um grupo de pessoas na praça de alimentação, não estava ocorrendo nada, mas uma mulher se sentiu ameaçada, ligou para a polícia e a polícia entrou no shopping. E quando você vê um monte de policial com cassetete na mão, você pensa o quê? Todo mundo correu, com medo. Foi aí que começou o tumulto.
Você pretende convocar outro?
Eu não sou mais a favor, por causa das pessoas que vão para badernar, que podem prejudicar outras pessoas. Mas também sei que é nosso direito ir ao shopping. Acho que serviu para alertar as autoridades de que a gente está sem lazer e o jovem não está mais parado. A gente está correndo atrás dos nossos direitos, que são meios de lazer.
O que você acha da proposta de alguns adultos de vocês se juntarem no sambódromo ou em parques?
Se eu chegar lá na prefeitura falando: ‘A gente pode usar seu sambódromo?’, eles vão falar: ‘Quem é você? O que você quer aqui?’ Então, a gente faz o que a gente consegue. A gente não tem poder de chegar na prefeitura e pedir o sambódromo. Nas praças, a gente não tem segurança. Eles não vão mandar a polícia para fazer segurança. No shopping, a gente tem a segurança, e é uma coisa que a gente gosta de fazer. Pode comer lanche, ir ao cinema, tomar sorvete, coisas que todos os jovens gostam de fazer. É esse o objetivo maior.

18 janeiro 2014

Zé Maria, um operário de luta e socialista!

Zé Maria iniciou sua vida política nas greves operárias do ABC na década de 70
O PSTU lança a pré-candidatura do metalúrgico Zé Maria à Presidência da República para apresentar uma alternativa operária e socialista nas eleições de 2014.

Neste momento em que o governo e a oposição conservadora são incapazes de atenderam as reivindicações das ruas e perseguem e criminalizam os movimentos sociais, é preciso construir uma alternativa operária e socialista. A pré-candidatura de Zé Maria é uma expressão das lutas e das reivindicações das ruas com a certeza de que sempre esteve ao lado dos trabalhadores e da juventude.

Zé Maria iniciou sua militância em meio às greves metalúrgicas do final da década de 70 no ABC paulista, junto com Lula, com quem chegou a ser preso em 1980. No entanto, se o destino de grande parte dos sindicalistas daquele período foram os palácios e os cargos no Estado, o de Zé Maria continua sendo a luta da classe operária. José Maria de Almeida é, atualmente, dirigente da CSP/Conlutas - Central Sindical e Popular Conlutas.

Em junho, a juventude e o povo foram às ruas, encurralaram os governos e conseguiram reduzir o preço das passagens. De lá pra cá, os trabalhadores fizeram inúmeras greves, conseguindo algumas vitórias. Movimentos por moradia fizeram diversas ocupações nas cidades. Mas, infelizmente, pouca coisa mudou no país porque os governos não ouviram as ruas, não atenderam as reivindicações e a insatisfação é enorme.

O povo quer mudança, mas não quer a volta da velha direita. É preciso dar voz às ruas e lutar contra tudo isso que está aí. É necessário uma candidatura que esteja a serviço das lutas dos trabalhadores e da juventude, em torno a um programa operário, anticapitalista e anti-imperialista que defenda uma transformação radical da sociedade rumo ao socialismo. Por isso, o PSTU apresenta a pré-candidatura de Zé Maria à Presidência da República.

Apesar de faltarem muitos meses para as eleições, o debate eleitoral já está aberto. As elites, o governo e a oposição conservadora procuram restringir esse debate aos seus candidatos.  Com poucas diferenças entre si, todos defendem o mesmo modelo econômico, que privilegia os bancos, grandes empresas e o agronegócio, em detrimento das necessidades e reivindicações dos trabalhadores, do povo pobre e da juventude.

O PSDB de Aécio é a velha direita que sói vai trazer mais miséria ao povo trabalhador. O PSB de Eduardo Campos e Marina não se dispõe a mudar o país, sendo mais uma promessa que vai levar a outra desilusão. Infelizmente, o governo de Dilma não correspondeu às grandes expectativas dos trabalhadores porque governa para os ricos e poderosos.

Os governos gastam dinheiro com a Copa do Mundo da FIFA enquanto faltam escolas e hospitais em todo o país. A educação pública continua um caos porque os governos se recusam a investir 10% do PIB em educação pública, mínimo necessário para melhorar as escolas e dar um salário decente aos professores. A situação da saúde pública não é diferente. É preciso mais verbas, mais equipamentos, mais hospitais. Ao mesmo tempo, a inflação volta a preocupar todos, enquanto o governo prepara novas medidas que atacam direitos e conquistas dos trabalhadores.

O governo Dilma está privatizando o nosso petróleo. Com o leilão do Campo de Libra entregou um patrimônio público que vale um trilhão de reais por míseros 15 bilhões de reais. Além disso, esse dinheiro do pré sal que poderia ser utilizado para mudar de fato a saúde e a educação públicas, vai para os bolsos das multinacionais e dos banqueiros. Só fica no país uma pequena parte, os royalties, quando poderíamos ter todo o dinheiro do petróleo que é nosso. Foi a maior privatização do PT, semelhante às privatizações da Vale e da Telebrás feitas pelo PSDB. Chega de entregar nossas riquezas! Exigimos a reestatização das empresas privatizadas e uma Petrobrás 100% estatal!

Como não bastasse tudo isso, assistimos o descalabro da corrupção que assola os o Congresso Nacional, casas legislativas e os governos em todo o país. Neste sentido, não há diferenças, a corrupção do PSDB é tão grande com o escândalo do metrô de São Paulo quanto a do mensalão do PT. Exigimos, entre outras medidas, a prisão de todos os corruptos e corruptores, a anulação da reforma da previdência comprada com o mensalão, a revogabilidade dos mandatos dos parlamentares e que seus salários sejam iguais aos de um professor ou de um operário.

As mulheres que estiveram na linha de frente das passeatas de junho não vêem resposta do governo aos seus problemas. Faltam creches, casas abrigo. E o pior é que a violência contra as mulheres, assim como contra os negros e homossexuais, tem aumentado. Mesmo com a Lei Maria da Penha, o número de assassinatos de mulheres não diminuiu. Para piorar mais ainda, o PT faz acordo e Feliciano fica com a Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Os governos tentam retomar o controle das ruas e para isso desencadearam uma violenta repressão e criminalização dos movimentos. O governo Sergio Cabral PMDB/RJ, apoiado pelo PT de Dilma, reprimiu duramente os professores em greve. A mesma PM que reprime as lutas, torturou e assassinou Amarildo. Nós do PSTU exigimos o fim do genocídio contra o povo negro nos bairros pobres de todo o país. Exigimos a desmilitarização das polícias e o fim da PM! E gritamos, junto com a maioria do povo do Rio: Fora Cabral!  Ditadura nunca mais!

Em 2014, é preciso voltar às ruas. Sabemos que as verdadeiras mudanças não virão das eleições. Só através da organização e mobilização dos trabalhadores e da juventude é que conseguiremos um Plano Econômico Alternativo do trabalhadores que garanta aumento geral de salários, reajuste de acordo com a inflação, congelamento dos preços e das tarifas, saúde, educação, moradia e transporte para todos e de qualidade, a partir do não pagamento da dívida interna e externa, o fim das privatizações e a reestatização das empresas privatizadas, entre outros pontos.

Mas não é só isso, é muito importante a construção e apresentação de uma alternativa nas próximas eleições que esteja a serviço das lutas dos trabalhadores e da juventude. Por isso, chamamos a constituição de uma Frente de Esquerda com PSOL e PCB em torno a um programa classista e socialista e apresentamos a pré-candidatura de Zé Maria à Presidência da República.

Para se constituir verdadeiramente uma Frente de Esquerda como uma alternativa é preciso estabelecer um programa que parta das lutas e reivindicações da classe, mas que não pare aí. É preciso apontar uma mudança radical da sociedade, uma ruptura com tudo que esta aí, rumo ao socialismo. Tampouco, pode repetir os erros do PT de fazer acordos e alianças com os partidos burgueses e receber recursos da burguesia para financiamento de campanha. Neste sentido, é preocupante a definição pelo PSOL da pré-candidatura do Senador Randolph que tem atuado e se posicionado politicamente de forma diversa, às vezes oposta pelo vértice, da maior parte dos postulados acima. Por fim, é preciso garantir o respeito e representação dos partidos da frente desde a discussão programática, a composição das chapas majoritária e proporcional, plano de campanha, TV e demais aspectos.

Vamos voltar às ruas! Vamos unificar a juventude, os movimentos populares  e os sindicatos para fazer uma grande luta unificada durante a Copa do Mundo da FIFA e exigir que se pare de dar dinheiro pra banqueiros e empreiteiros. Não estamos sós. Os trabalhadores e a juventude da Europa, do Norte da África e Oriente Médio, da Argentina e do Chile demonstram que é possível enfrentar e derrotar os governos e seus planos de austeridade. É preciso lutar, é possível vencer!

2013 foi só o começo, amanhã vai ser maior!
É preciso mudar tudo isso que tá aí!
Apoie a pré- candidatura de Zé Maria à Presidência da República!
fonte: www.pstu.org.br

12 janeiro 2014

Por que Emir Sader fracassou?

Alvaro Bianchi
Emir Sader publicou em seu blog na Carta Maior um texto no qual afirma que a extrema-esquerda latino-americana fracassou. Segundo o autor, a extrema-esquerda não teria entendido que os governos do Brasil, Bolívia, Equador, Uruguai, Argentina e Venezuela constituiriam o “único polo mundial de resistência ao neoliberalismo”. Sem reconhecer o caráter “progressista” deles, a “extrema esquerda terminou tomando como seus inimigos fundamentais esses governos, aliando-se, tácita ou explicitamente à direita contra eles, abandonando a possibilidade de compor um quadro da esquerda, onde seriam a alternativa mais radical.”
O alvo explícito de Sader é o PSOL. Seu conhecimento sobre esse partido é, entretanto, muito superficial, a ponto de afirmar que esse partido “foi rapidamente hegemonizado por trotskistas (da tendência morenista, de origem na Argentina)”. Seria o senador Randolfe um cripto-morenista? O que resta do artigo não é mais profundo: um conjunto de afirmações sem corroboração, generalizações duvidosas e receitas simplistas. A alternativa apresentada por Sader é bastante simples. A extrema-esquerda deveria abandonar as denuncias e tornar-se governista:
“uma força de esquerda radical deveria analisar o governo do PT reconhecendo os avanços realizados e apoia-los, ao mesmo tempo que criticar suas debilidades. Se propor a ser aliado do governo à sua esquerda, nos aspectos comuns e critico nos outros. Teria que apoiar a política externa do governo, suas politicas sociais, seu resgate do papel ativo do Estado nos planos econômico e social. Que apoiar o conjunto de governos progressistas na região, que protagonizar os processos de integração regional.” (SADER, 2013)
Tudo muito fácil. Como não seguiu a receita de Sader, a extrema-esquerda fracassou. Não se pode exigir muito de um artigo de opinião, estilo que o autor adotou há mais de quarenta anos. Trata-se de um estilo autoimune. Livre das exigências do trabalho científico ele não requer documentos, fontes, dados, enfim, qualquer tipo de validação empírica. O artigo de opinião permite ao autor expor simplesmente suas ideias. Mas se as opiniões de um indivíduo podem garantir bons rendimentos, não bastam para sustentar argumentos. O que não podemos exigir de um artigo de opinião podemos exigir de um cientista social.
Qual é o critério do fracasso?
Como sempre, o autor não oferece indícios empíricos que sustentem suas afirmações. Mas intui-se que o indicador do fracasso da extrema-esquerda é seu desempenho eleitoral. Embora útil para a análise da conjuntura, a análise exclusivamente dos resultados obtidos em eleições oupesquisas de opinião para avaliar o peso de organizações políticas e movimentos sociais é muito limitado e induz a sérios equívocos.
O argumento mais fácil para deslegitimar o ensaio de Sader é afirmar que as forças políticas que desejam a emancipação social têm fracassado eleitoralmente, mas como as eleições se demonstraram ineficazes para a realização da emancipação social o jogo continua empatado. Nem os revolucionários mostraram que conseguem vencer eleições, nem os reformistas mostraram que conseguem vencer por meio das eleições. Mas deixemos os argumentos fáceis para os ensaístas. Concordemos com a ideia de que os resultados eleitorais são muito importantes para avaliar a força de organizações políticas. A questão é: isso basta?
Os bolcheviques conquistaram o poder em 1917 e logo a seguir perderam nas eleições para a Assembleia Constituinte, sem com isso perderem o poder. O partido de Adolf Hitler obteve 2,6% dos votos em setembro de 1930 e em janeiro de 1933 chegou ao poder, derrotando sem pena nem glória social-democratas e comunistas. Os stalinistas espanhóis eram uma força política muito pequena no início da guerra civil espanhola, mas terminaram, graças ao apoio da União Soviética, dirigindo politicamente o Partido Socialista Obrero Español, uma organização muito maior. Salvador Allende foi derrotado três vezes antes de vencer uma eleição presidencial no Chile e foi assassinado pelos militares que nunca ganharam uma eleição. Três anos depois de liderar as greves do ABC paulista, Luís Inácio Lula da Silva e seu Partido dos Trabalhadores obtiveram um desempenho eleitoral pífio. Os brasileiros votaram em Fernando Collor em 1989, dois anos depois o derrubaram e hoje poucos se lembram do nome da legenda que o elegeu. Há muito indícios de que é preciso ter cuidado com os resultados eleitorais na análise de relações de forças entre partidos. As eleições expressam apenas um momento efêmero das relações de forças políticas.
Essas relações de forças se expressam de maneira contraditória na consciência de classe. A consciência de classe é compósita. Não é homogênea. Trabalhadores que estão dispostos a ações radicalizadas na defesa de seus salários ou dos sindicatos, tais como greves e ocupações, muitas vezes frequentam templos evangélicos, possuem valores conservadores e  votam em políticos reacionários. A concepção de mundo que possuem é heterogênea, fragmentária e contraditória. Por essa razão, uma análise da relação de forças não pode ser unilateral. Ela não pode levar em conta só greves, conflitos e mobilizações. Mas também não pode estar pautada exclusivamente em critério eleitorais.
Uma análise materialista da relação de forças entre organizações politicas deveria levar em conta as várias formas da luta de classes. Engels, e mais tarde Lenin, considerava que a luta possui ao menos “três lados, o teórico, o político e o prático-econômico (oposição aos capitalistas)”. Obviamente não há sentido reduzir o momento político à luta eleitoral, assim como é errado, nesta perspectiva, opor eleições à luta de classes ou considerar o momento prático-econômico preponderante sobre os demais.
Afinal, quem fracassou?
Percebe-se assim que a análise de Sader é completamente arbitrária. Para caracterizar os governos de Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Uruguai e Venezuela como pós-neoliberais e afirmar o fracasso da extrema-esquerda o autor é obrigado a suprimir de sua narrativa qualquer referência às lutas econômico-sindicais ou econômico-políticas. Realiza a façanha de falar da América Latina sem mencionar as gigantescas lutas sociais que marcaram o ano.[1]
No Brasil, por exemplo, o jovem precariado foi às ruas em 2013; o sindicalismo de oposição aumentou consideravelmente sua influência; grevistas questionaram a legitimidade de governos estaduais e municipais; o movimento estudantil deu mostras de que está renascendo; e os sem-teto intensificaram as ocupações de terras urbanas e prédios. O governo Dilma Roussef enfrentou, pela primeira vez duas paralisações nacionais e os bancários realizaram forte greve em todo o país no mês de setembro. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) o número de greves realizadas no Brasil no ano de 2012 foi o maior desde 1997. A tendência vista em 2013 é a de um crescimento ainda maior, embora ainda não existam dados.
O quadro não é muito diferente nos demais países citados por Sader. Na Argentina os trabalhadores fizeram uma greve geral em 2012 e o conflito social manteve-se intenso no ano de 2013, destacando-se a greve nacional dos caminhoneiros, as greves dos petroleiros e dos policiais nas províncias. De acordo com Programa de Investigación Sobre el Movimiento de la Sociedad Argentina (Pimsa), apenas no primeiro semestre de 2013 ocorreram na Argentina 457 manifestações, 172 cortes de estrada e 120 greves. No Uruguai, a central sindical, governista, diga-se de passagem, foi obrigada pela base a convocar três paralisações nacionais em 2013, reivindicando aumentos salariais. Na Venezuela, o movimento sindical independente participou ativamente dos conflitos em Sidor y Ferrominera, na mobilização dos professores e em industrias nacionalizadas como Diana e Lácteos Los Andes e o descontentamento contra o aumento de preços deu origem a uma onda de protestos e mobilizações no último trimestre de 2013.
Na Bolívia, os trabalhadores têm realizado importantes greves e enfrentado o governo Morales. Em 2012 a Central Obrera Boliviana (COB) recobrou seu antigo protagonismo e aprovou em seu Congresso a construção de um novo instrumento político dos trabalhadores para enfrentar o governo. Os choques do movimento sindical com o governo não cessaram e em maio de 2013 a COB convocou uma greve geral que contou com forte participação dos mineiros, os quais retomando velhos métodos de luta usaram dinamite para cortar o acesso a estradas. O governo reprimiu duramente os mineiros e um rápido processo de radicalização política teve lugar. Apenas o Equador permanece como uma ilha de tranquilidade aparente em meio a um mar revoltoso.
Em todos esses países as greves, passeatas, manifestações, ocupações e bloqueios de estradas enfrentaram os governantes locais e nacionais, expressando a crescente insatisfação social nesses países. Os governantes, por sua vez atacaram duramente os manifestantes, perseguiram os ativistas, ameaçaram os sindicatos, cortaram o ponto e demitiram grevistas. Seus partidos convocaram contra-mobilizações, as quais frequentemente fracassaram, lançaram campanhas de difamação, estimularam a repressão policial e apelaram, em certas ocasiões, a bandos paramilitares.
A extrema-esquerda, por sua vez, participou ativamente desses conflitos, preparou pacientemente as mobilizações, esteve à frente dos confrontos, construiu coordenações, assembleias e  fóruns para organizar as lutas. Pagou um preço alto por isso. Seus militantes foram combatidos por fascistas nas ruas, foram presos a mando dos governantes e sofrem processos judicias acusados de “formação de quadrilha”. Sob esta perspectiva, quem fracassou? Os governantes que não conseguiram responder à crescente insatisfação social? Ou a extrema-esquerda, que contribuiu de maneira decisiva para a organização dessa insatisfação?
Conclusão
Não foram só os “governos pós-neoliberais” os que fracassaram. Emir Sader também fracassou como analista. Não conseguiu sequer enxergar as ruas de seu próprio país. O quadro que oferece em seus artigos é o de um mundo no qual as classes e os movimentos sociaisdesaparecem para dar lugar a governos. Tudo se resume a um conflito interestatal: governos neoliberais contra governos pós-neoliberais; governos conservadores contra governos progressistas, países imperialistas contra latino-americanos. Nesse quadro simplista e simplório, quem não está apoiando os governos progressistas está “aliando-se, tácita ou explicitamente à direita contra eles”.
A direita!! Mas quem é esse fantasma. Na perspectiva de Sader o critério é simples: é quem está contra os “governos progressitas”. Nesse caso teríamos que excluir da “direita” a ruralista Katia Abreu, o governador Sérgio Cabral, os senadores Renan Calheiros e José Sarney e parte considerável da bancada evangélica. Como se sabe, todos eles são companheiros de Sader na defesa do governo.
Na teoria das relações internacionais a corrente realista caracterizou-se por assumir as unidades estatais como os agentes exclusivos da política internacional. Foi com esse quadro teórico que gerações de analistas foram formadas durante a chamada guerra fria. Em sua versão soviética tudo era reconduzido à crua realpolitik. Todas as ações da burocracia stalinista encontravam-se previamente justificadas pela existência da ameaça “imperialista”. Sader deixa clara sua adesão a essas teses no prefácio que escreveu à nova edição que a Civilização Brasileira publicou da trilogia de Deustscher sobre Leon Trotsky. Nele justificou a política staliniana como o leibiniziano doutor Pangloss explicava a Candido: é o melhor dos mundos possíveis.
Mas o mundo possível de Stalin condenava a oposição à morte ou aos campos de concentração, sufocava a revolução espanhola, abandonava os gregos à sanha dos ingleses, entregava as armas dos partigiani ao exército. Segundo Sader, o melhor dos mundos possíveis é agora aquele no qual a previdência social é reformada, o pré-sal privatizado, a reforma agrária congelada, e aquele no qual banqueiros e empreiteiros se locupletam com as benesses governamentais. Isto pode servir para a propaganda governamental. Mas para a compreensão da realidade atual não.
Referências bibliográficas:
DIEESE. Balanço das greves em 2012. Estudos e Pesquisas, n. 66, 2013.
PIMSA. Informe semestral sobre hechos de rebelión. Buenos Aires:  Programa de Investigación Sobre el Movimiento de la Sociedad Argentina, 2013.
SADER, Emir. Por que a extrema esquerda fracassou. Carta Maior, 4 Nov. 2013. Disponível em: <http://bit.ly/1da5lxl>

[1] Os indicadores que permitiriam analisar de modo mais exato a intensidade do conflito social são muito precários na América Latina. À frente do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso), Emir Sader e seu sucessor Pablo Gentilli não fizeram muito para criar esses indicadores. E em 2013 o Clacso cortou o financiamento da pesquisas que sustentavam as cronologias do conflito social na América Latina, publicadas pelo Observatorio Social de América Latina (Osal).