O Congresso da Classe Trabalhadora terminou de maneira melancólica, o que de certa forma espelha a conjuntura pela qual passa o sindicalismo brasileiro e a esquerda de modo geral. Foi frustrante, triste, mas não significa que não possa ser superado. Depois de uma abertura emocionante, com a presença de mais de 800 delegados internacionais, representando 25 países e 3.200 delegados, as horas finais foram de perplexidade e abatimento, afinal, a tão esperada “unificação” entre Conlutas e Intersindical não aconteceu na prática.
O sábado começou frio em Santos, mas dentro do Centro de Convenções onde teria lugar o Conclat havia uma quenturinha boa, dessas que só a esperança traz. Apesar das grandes polêmicas que teriam curso, havia uma certa expectativa de que a conjuntura desfavorável ao ascenso das lutas fosse unir os trabalhadores, afinal, em algum lugar as propostas da esquerda teriam de se expressar e perdurar. É certo que algumas divergências pareciam inconciliáveis, mas se o que estava em jogo era manter vivo o sonho do socialismo e construir um espaço de luta unificada contra o processo social-democrata que hegemoniza o sindicalismo brasileiro, parecia óbvio que era hora de buscar uma pauta mínima unificadora.
A abertura do Conclat foi recheada de emoções. Trabalhadores japoneses, gregos, chilenos, bolivianos, venezuelanos, argentinos, enfim, de tantos lugares, estudantes, povo do movimento popular, gente da luta contra as opressões. Os discursos inflamados, os chamados à unidade e, por fim, a Internacional, cantada de pé, a plenos pulmões e com lágrimas nos olhos. “Bem unidos façamos, esta luta final, uma terra sem amos, a internacional”... Tudo parecia caminhar para o sucesso da unificação. Mas, apesar do otimismo e da festa, três grandes polêmicas se anunciavam: a discussão das eleições presidenciais, o caráter da nova central e o nome.
Como sempre acontece nestes encontros, os grupos foram se juntando por afinidade de propostas e assim, à direita do plenário ficaram os grupos ligados à Intersindical, MAS (Movimento Avançando Sindical) e o Unidos para Lutar, sobrando a esquerda para os militantes da Conlutas. Espalhados aqui e ali ficavam os independentes. Por isso, na hora das votações, o contraste dos crachás ficava bem visível.
As votações
O primeiro ponto polêmico a ser votado na plenária final foi o das eleições presidenciais. Havia três propostas. Uma encaminhava para uma Frente de Esquerda, com um único candidato expressando o programa que seria tirado ali. Outra defendia que a central deveria indicar a votação nos três candidatos da esquerda, PSTU, PCB e PSOL. E a terceira que defendia não ser ali na central o espaço para discutir candidaturas, e que só se deveria informar sobre as diferenças entre as candidaturas de direita e de esquerda. Crachá na mão, o povo foi para a primeira votação. A vitória da tese da Conlutas foi majoritária, sinalizando que ali já estava conformada uma maioria bastante expressiva.
O segundo ponto foi o caráter da central. Três eram as propostas. Uma defendia que a nova central fosse unicamente sindical. A segunda acolhia o movimento sindical e o popular. A terceira estendia a filiação para os estudantes e para os movimentos de luta contra a opressão. Neste ponto, a principal divergência era a inclusão dos estudantes e do movimento de luta contra a opressão que, no entender de alguns grupos, não garantia o caráter de classe, uma vez que tanto os estudantes como os que lutam contra a opressão (negros, mulheres, homossexuais etc...) são policlassistas. Na defesa destas duas frentes estava a idéia de que incluir estudantes e movimentos contra a opressão inauguraria uma novidade no processo da luta do povo brasileiro, extrapolando a forma clássica de fazer política, reconhecendo que tantos os estudantes quanto os que lutam contra a opressão, se tivessem oportunidade de militar numa central como essa, certamente seriam aliados importantes dos trabalhadores na construção do socialismo. Já os contrários defendiam que os estudantes eram passageiros e não poderiam dirigir a luta dos trabalhadores. Esqueciam estes que passageiras seriam as pessoas e não a condição de ser estudante, historicamente um agrupamento fundamental nas lutas populares. Feito o debate, nova votação. Outra vez a tese da Conlutas foi vencedora. A nova central incorporaria movimentos populares, estudantes e movimentos contra a opressão.
As coisas começavam a esquentar no plenário. Guerras de palavras de ordem, algumas provocações. Foi apresentada a proposta de conformação da direção. Seguiria o modelo da Conlutas na qual o dirigente não é uma pessoa e sim a entidade. A composição seria de 27 entidades e oito suplentes. Esse não foi um ponto polêmico e a votação foi tranqüila.
Chegou então a vez de votar o nome da nova central. Desde a apresentação das teses, passando pelos grupos, essa era uma questão que aparecia de forma muito contundente. Estava em jogo a própria concepção do novo que se expressava nas teses e que deveria também aparecer na concretude do cotidiano da central, inclusive no nome. Uma questão preliminar se impunha: a central uniria de maneira automática e formal as duas grandes entidades Conlutas/Intersindical ou definitivamente daria um passo adiante, dialeticamente, apresentando uma síntese deste belo movimento de resistência que teve seu início na luta contra a Reforma da Previdência?
O rompimento
Não foram poucas as defesas para que a Conlutas desistisse de sua proposta de superposição formal. Apelos e mais apelos foram feitos para que os dirigentes reconsiderassem, pois se não aparecesse uma nomeclatura nova, o novo estaria nascendo morto. Era preciso dar um passo dialético, sair da lógica formal, absolutamente atrasada e imobilizante. Estava claro para todos naquele plenário que a maioria estava dada pelos militantes da Conlutas, então haveria de ter sensibilidade para fazer aquilo que já ensinara Lenin no seu clássico “Um passo a frente, dois atrás”, ou seja, em nome da unidade, e já tendo garantido três das propostas mais polêmicas, a Conlutas poderia aceitar a tese de um nome novo. Até porque as próprias entidades que compunham a Intersindical não queriam a inclusão do seu nome. Entendiam que havia cumprido o seu papel numa determinada conjuntura e que agora estavam abertos verdadeiramente para o novo.
Foi nesse momento que Zé Maria, da Conlutas, pegou o microfone. Naquela hora, muitos dos que ali estavam, tiveram a certeza de que o dirigente haveria de agir de forma magnânima, abrindo mão da proposta de nome que uma expressiva parte do plenário não queria, em nome da unidade. Seria uma saída política que mostraria a maturidade da força política que ele representava, pois é claro que a questão do nome não era o nome em si. Era toda uma concepção da nova entidade que se expressava no nome. Aceitar o nome proposto pela ala minoritária daria lugar para a expressão da grande política. A Conlutas estava em maioria e dar um passo atrás nas suas propostas significaria dois passos a frente na construção da Central Unificada. Mas, Zé Maria não é Lenin. E seu discurso se perdeu nos argumentos redutores que insistiam em manter o nome de um projeto que se acabava ali. Juntar Conlutas e Intersindical era não considerar o novo que principiava a nascer. Segundo ele era preciso manter a história que havia sido construída pelas duas entidades, Conlutas e Intersindical. Não compreendia o dirigente que, o passado, ao ser superado, não morre, apenas se transforma em outra coisa, nova. A irracionalidade da proposta, exigindo manter o nome das duas entidades quando uma delas não queria foi a gota de água que faltava para inviabilizar a unificação. Assim, as propostas foram ao voto e, como estava em maioria, a Conlutas venceu. Nesta hora, os militantes da Intersindical, Unidos para Lutar e MAS saíram do plenário para discutir a situação. Não voltaram mais. Ao final, declararam que não estariam na nova Central.
A razão eleitoreira
O dia seguinte ao congresso ainda foi de perplexidade. Todo o trabalho de centenas de pessoas que saíram de várias partes do país rumo a Santos estava no chão. A nova central nascia, mas não tinha conseguido unificar. Pouco a pouco foram aparecendo os textos de análise do congresso, com acusações de todos os lados. Era hora de encontrar culpados pela frustrada tentativa de criar uma central realmente nova, que unisse as forças de esquerda do país que estão, cada dia, mais frágeis e esfaceladas.
Ainda no congresso, as declarações dos grupos que se retiraram do processo já apontavam para onde iria a culpa: ao PSTU. Os que estavam em minoria reclamavam de que não tinha havido a democracia operária, que a Conlutas havia patrolado as votações. Mas este é um bordão que não se justifica. A Conlutas pode ser acusada de muitas coisas, mas é preciso considerar que seus militantes fizeram um longo trabalho de construção deste congresso, conseguindo assim a maioria dos delegados. E também é preciso reconhecer que, independentemente dos problemas que se possa encontrar nesse agrupamento, este debate não foi oportunista, visto que vem sendo feito desde a criação da Conlutas.
O grupo do MAS (Movimento Avançando Sindical), na sua declaração de retirada, ainda reforçou sua inconformidade com o resultados das demais votações, insistindo que os estudantes agora iriam dirigir a classe trabalhadora, e que isso era inadmissível. Este tampouco é um argumento que se sustenta, pois na conformação da direção da Central os estudantes terão um percentual de 5%, logo, jamais alcançarão condições de dirigir a classe trabalhadora. Para este grupo, tanto estudantes como movimentos de opressão deveriam se articular fora da central, em fóruns nacionais autônomos.
O Unidos para Lutar, que reunia em seu interior boa parte dos militantes do PSOL, tampouco aceitou a democracia operária, porque, naturalmente ela não estava a seu favor. No movimento sindical isso é muito comum. Quando a democracia está a favor, é democracia, quando a maioria é do grupo adversário é patrola, manipulação e falta de democracia. Coisa bastante difícil de se continuar aceitando. Durante as votações ficava muito claro que o pano de fundo de tudo eram as eleições presidenciais, visto que tanto o PSTU quanto o PSOL e PCB tem candidaturas próprias. E, como o movimento sindical é uma espécie de correia de transmissão das propostas partidárias, elas passaram a ser mais importantes que o motivo real pelo qual estavam todos ali: a unificação da esquerda brasileira num tempo de completa desarticulação das lutas.
Assim, na compreensão de quem estava no congresso de forma independente, sem ligações partidárias, a inviabilidade da unificação não teve um único culpado. É certo que houve uma grande inabilidade política por parte da direção da Conlutas, que poderia ter passado por cima da questão do nome. Mas, também é certo que os grupos ligados ao PSOL, PCB e à corrente Luis Carlos Prestes tampouco pareciam dispostas a abrir mão de seus propósitos. Assim, a tão falada “classe trabalhadora” ficou desbotada, perdida entre tantas vontades particularistas, quase como um pano de fundo.
De qualquer sorte, no campo da política brasileira, e de uma esquerda que se pauta pelo pragmatismo e pela falta de qualificação teórica, o resultado não poderia ser outro. As chances de que os agrupamentos, que historicamente travam embates cotidianos entre si, chegassem a um acordo, em nome da unidade da luta, era praticamente remota, mas, sempre há esperança. Não se cumpriu. O que imperou foi o “mais do mesmo”. Divergências partidárias, incapacidade de ceder um passo, intransigência e algum fundamentalismo. Grupos ainda mais reduzidos que defendiam uma central apenas sindical faziam festa, às gargalhadas, diante da destruição da proposta de unidade, o que mostra também a imaturidade política de algumas correntes. Festar diante da desgraça da classe trabalhadora é tão absurdo quanto não ceder num nome.
Enquanto isso, no Pacaembu
Dias antes do Congresso da Classe Trabalhadora, um encontro nominado de Conferência Nacional dos Trabalhadores/Assembléia Nacional juntou a CUT, a CTB, a Força Sindical e a Nova Central em um encontro gigante no Pacaembu, São Paulo, que reuniu mais de 28 mil pessoas. Mas, as resoluções não chegaram ao mesmo nível de gigantismo, ficando mais no campo do apoio ao projeto de desenvolvimento proposto pelo atual governo, conforme se pode notar no documento divulgado ao final do encontro.
A proposta contém um manifesto político e uma agenda na qual estão explicitadas as idéias que estas centrais querem ver implementadas pelo governo federal no que diz respeito à vida do país. No manifesto está bem clara a adesão da maior central de trabalhadores da América Latina e suas congêneres à idéia do desenvolvimento sustentável, coisa absolutamente questionável no sistema capitalista. Como em nenhuma parte do documento está escrita a palavra “socialismo”, a conclusão a que se chega é a de que as centrais reunidas no Pacaembu acreditam no mito de que é possível um país periférico se desenvolver aos moldes dos países centrais e ainda respeitar a natureza. Conspiram ainda da certeza de que com muito “sacrifício” da classe trabalhadora o Brasil poderá chegar ao primeiro mundo.
O apoio ao governo de Luis Inácio se manifesta na afirmação de que “os avanços registrados nos indicadores sociais e econômicos dos últimos anos revelam que é possível combinar crescimento econômico com desenvolvimento social”. Afirmam ainda que o neoliberalismo vem sendo derrotado e se colocam como desafio a construção de um projeto nacional baseado na democracia, na soberania e na valorização do trabalho. Este, em especial, ganha um novo conceito, o de “trabalho decente”, que a depreender do documento parece significar um trabalho no qual o trabalhador não é “muito” explorado. Em particular, esse conceito de trabalho decente, soa como uma coisa muito estranha se considerarmos que em todo o documento não há qualquer alusão ao socialismo. Mas, nas propostas apresentadas a partir de seis eixos, o que fica claro é que a CUT e as demais centrais alinhadas ao governo estão enfeitiçadas pela proposta de humanizar o capitalismo. Isso mostra o completo despreparo teórico desta fração da classe trabalhadora que parece insistir na lógica de conciliação de classe.
Apesar de nos variados pontos elencados estarem algumas bandeiras históricas dos trabalhadores, muitas das propostas de transformação se perdem em idéias como a do desenvolvimento sustentável (colada no liberalismo), a aposta na qualificação do trabalhador para melhor ser explorado pelo capital, no pedido de ampliação de crédito para que aumente a exploração dos bancos sobre os trabalhadores, na idéia de revisão e controle social das Parcerias Público-Privadas e não a sua revogação, e no fortalecimento de idéias como os fundos de pensão, entre outras.
A mudança vem do povo
Assim, diante da aposta na social-democracia que fazem as grandes centrais, e a fragmentação da esquerda mais radical, o que resta aos trabalhadores comprometidos com a mudança social é, neste momento, fazer o que fez Marx diante da conjuntura do seu tempo: estudar, estudar e estudar. Buscar na vida real os elementos para a construção de uma teoria que dê conta da explicação do nosso tempo e que nos permita avançar na luta de classe.
É certo que no Brasil atual, com uma economia em expansão, crescendo 9% por trimestre - a maior marca registrada pelo IBGE desde 1995, podendo alcançar o incrível dígito de 12% ao ano, mais que a China, portanto – torna bastante difícil o trabalho de conscientização de classe. Os trabalhadores, com uma boa parte tendo ganhos consideráveis nos salários, preferem acreditar nesse “capitalismo humanizado”, que é todos os dias incensado pela imprensa. A classe média, com a vida renovada, não está disposta a apostar na construção do socialismo que, segundo o senso comum, pode lhes tirar mais do que dar. Prefere erguer muros e cercas elétricas para se proteger da “ralé”. Resta então às gentes oprimidas essa bandeira. São os desempregados, os que estão à margem do sistema, os que não conseguem nem vender sua força de trabalho, os que estão entregues às drogas, à violência, à barbárie. Mas, paradoxalmente, estes são os que menos estão em condições de refletir sobre sua realidade, porque precisam garantir o pão do dia.
Nesse sentido, uma central, aos moldes da que estava proposta no Conclat poderia ser um rico instrumento de luta e de organização da classe trabalhadora oprimida e marginalizada do processo do capital.
Mas, a razão eleitoreira foi preponderante, assim como a intransigência de muitas correntes de pensamento e agrupamentos políticos. Ninguém parecia estar disposto a abrir mão do “seu programa”, da “sua verdade”. O resultado foi a derrota de todos. A central está criada, é certo, mas seu sentido de unidade se perdeu. Deverá ser outra central dominada por um partido como a CUT é pelo PT e a CTB pelo PC do B.
O que ainda sobra de esperança é a certeza de que a classe trabalhadora saberá fazer o que precisa ser feito quando as condições de opressão ficarem insustentáveis, como acontece, neste momento, na Grécia. As gentes se levantam e obrigam, no chão da luta, estas organizações divididas em suas verdades particulares, a se integrarem na grande e universalizante onda revolucionária que só o povo sabe provocar. Há que estudar, cuidar e permanecer na luta.
Elaine Tavares é jornalista
Fonte: Brasil de fato
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