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* Por Humberto Cunha O trabalhador bancário cuida, protege e gerencia o núcleo central do sistema econômico vigente: o capital. Não que o dinheiro que circula em cifras astronômicas pelas mãos do bancário, mas não lhe pertence, seja, em si, capital. O capital é a relação social básica que convenciona tratar como mercadoria todos os bens tangíveis e intangíveis da sociedade. O dinheiro representa essa relação, fisicamente e, cada vez mais, apenas como escrituração, representação contábil, virtual. Ao lidar com todo o dinheiro que circula na sociedade, o bancário, quer o perceba quer não, lida com o capital dessa sociedade. Se tudo tem o potencial de transformar-se em mercadoria, este princípio se constitui em indutor de mercados onde estas mercadorias possam trocar-se passivamente pela equivalência de seus valores. Situações de escassez e de abundância podem desequilibrar o balanço das trocas, mas a tendência é o re-equilíbrio a médio prazo. Esta situação produziria logicamente um jogo de soma zero, um mercado de valor constante, mas outra constatação contraria tal dedução lógica: ao longo das décadas e séculos, a massa de valores no mercado se amplia. De onde nasce esta ampliação dos mercados? Ocorre que há no mercado uma mercadoria ativa, algo que escapa da troca passiva de equivalentes: a força de trabalho humana desequilibra positivamente a troca de equivalentes e propicia a acumulação. A soma de valores necessários para a reprodução do corpo humano é menor do que aquele valor que as capacidades física e mental do trabalhador têm capacidade de produzir. Essa diferença entre o valor consumido pelo trabalhador na reprodução da força de trabalho e o valor produzido ao aplicar esta mesma força é o que a economia clássica chama de sobre-valor, mais-valor ou mais-valia. Karl Marx, no século XIX, estudou-a e registrou-a na sua obra mais conhecida, O Capital. Quase duzentos anos após os estudos de Marx, é forçoso reconhecer que o anseio de igualdade, que vem acompanhando a história humana, está longe de concretizar-se, embora a ciência e a técnica tenham multiplicado a capacidade de agregação de valor, produção de sobre-valor e acumulação de bens. Conquistas da ciência e da tecnologia fazem crescer a composição orgânica do capital e pressionam para baixo a taxa média de lucro do sistema. Ao mesmo tempo, exigem dos trabalhadores maior escolaridade e outros estudos. O mesmo avanço científico-tecnológico forma dois pólos da contradição. De um lado, os empresários querem manter lucros elevados e combinam tecnologia de ponta com tecnologia obsoleta e formas de gestão participativa com formas herdadas do fordismo, de caráter autoritário, e até mesmo com relações pré-capitalistas, como é o caso do trabalho escravo ou a ele assemelhado. De outro lado, os trabalhadores, ao assumirem novo paradigma cultural e dominarem novas tecnologias, querem melhor remuneração, mais tempo livre, mais lazer, novas oportunidades culturais e educacionais. O conflito capital-trabalho emerge e transparece nos diversos planos da existência. Pode-se destacar as revoluções do século XX, as transformações nas relações de trabalho do Ocidente, as diversas mudanças legais conquistadas pela participação popular em inúmeros países. Uma forma atual de recondução do modo de vida e do modo de produção é o Fórum Social Mundial. Embora recente, o FSM representa uma mobilização com capilaridade em todo o Planeta. Seu lema, “Um outro mundo é possível”, demonstra a disposição de trabalhadores, líderes religiosos, intelectuais, organizações civis, empresários e autoridades em buscar uma convivência humana apoiada em mais igualdade, mais fraternidade, construindo novos espaços de liberdade. Isto, para muitos, pode parecer um sonho impossível, mas já se notam prenúncios de que se trata de um anseio com viabilidade histórica. Na Noruega, por exemplo, sem que exista lei dizendo quanto o empresário pode ganhar a mais do que o operário, a sociedade conseguiu construir padrões éticos que tornam mal-visto aquele que estabeleça para si retiradas maiores do que o triplo do menor salário pago aos trabalhadores. Reflitamos sobre a nossa situação. Qual o maior salário ou retirada no Brasil? Qual o salário mínimo? Dentro de poucos meses, Belém sediará uma nova edição do Fórum Social Mundial. Que debates ocorrerão? Como eles incidirão nas mudanças em curso no mundo? O que mudará no Brasil? No Pará? Em Belém? Que debates o FSM suscitará entre os bancários? Que novas reivindicações e propostas farão nascer? Enfrentar esse quadro sempre mais complexo exige dos trabalhadores um avanço cultural cada dia maior. Os bancários, que cuidam do capital para os capitalistas, têm a possibilidade de apropriar-se de teorias que apontam novos rumos para a economia, como as de Amartya Sen e Domenico de Masi. Podem buscar o conhecimento das novas abordagens acerca de ciência e tecnologia em Boaventura de Sousa Santos, Seymour Papert e Pierre Lévy ou das novas formas de conceber e viver o espaço, trazidas por Milton Santos e Henri Lefebvre. Podem buscar abordagens sobre filosofia, educação e ética em André Comte-Sponville, Paulo Freire, Frei Betto e Bernardo Kliksberg, entre outros. Esta página, de iniciativa do Sindicato dos Bancários, é uma contribuição nesta busca. * Humberto Cunha é Doutor em Educação Popular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul |
30 maio 2008
Em busca de fundamentos!
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