Um milhão passam fome no Pará
MISÉRIA - IBGE revela o clamor da indigência entre os que sobrevivem sem renda no País
Uma panela cheia de ossos doados pelo dono de um açougue e uma porção de feijão é tudo o que a aposentada Maria José Pereira da Silva, 48 anos, mãe de sete filhos, tinha para alimentar a família ontem no início da tarde. Na casa sem geladeira ou fogão a gás, cada refeição é uma pequena vitória na guerra contra a fome. Hoje, Maria não sabe o que porá à mesa. Conta com a providência divina, materializada na ajuda dos vizinhos. 'Graças a Deus, aonde vou tem sempre alguém que me dá uma ajuda', resigna-se a moradora da comunidade Santa Lúcia 1, uma das mais pobres do município de Marituba, na Região Metropolitana de Belém.
Dramas como o de Maria se repetem todos os dias em milhares de lares no Pará. Não são raras as pessoas que acordam sem saber se terão uma refeição e muitas vezes vão dormir com a barriga vazia. O fantasma da fome, espectro produzido pela miséria, atormenta a vida de mais de um milhão de paraense - 1.060.061, conforme revela a pesquisa sobre Segurança Alimentar divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O estudo pioneiro no Brasil foi produzido junto com a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad), de 2004, a pedido do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome. As respostas revelam um País em que comida no prato não é um direito assegurado a todos.
O levantamento do IBGE revela que no Brasil, 6,55% dos lares padecem com a chamada insegurança alimentar grave, que como o nome sugere é a situação em que a família está ameaçada pela fome. No Pará, esse índice atinge 13,2% dos domicílios, onde vivem mais de um milhão de pessoas.
O estudo do IBGE apresenta gradações entre a segurança alimentar e a insegurança grave. É o caso de 26% dos lares brasileiros classificados na condição de insegurança alimentar leve. Outros 12,3% estão na categoria moderada. No Pará, 20,2% dos domicílios estão dentro da classificação de insegurança e outros 20,9% são considerados em situação de insegurança moderada. Apenas 45,7% dos lares estão em segurança alimentar. Ou seja, não tiveram qualquer incerteza quanto à possibilidade de ter comida na mesa no período de até 90 dias antes da aplicação da pesquisa, feita em 2004.
Mulheres padecem
O estudo do IBGE revela que famílias com crianças, chefiadas por mulheres e com renda per capita inferior a R$ 56 por mês, estão mais suscetíveis à falta de comida. Ente os lares chefiados por homens no Estado, o índice de segurança é de 47,6%. Já nas casas que têm todas as despesas custeadas pelas mulheres, apenas 39,8% são consideradas em situação de segurança alimentar.
Raimunda Oliveira Marques faz pequenos bicos para sobreviver e conta também com uma pensão de R$ 150, paga pelo ex-marido, pai de seus sete filhos. Com o dinheiro contado, ela diz que não dá para variar muito o cardápio. 'Ainda bem que aqui os meninos não têm muita frescura para comer. O que têm eles aceitam. Feijão, arroz, ovos e mortadela compõem a dieta básica da família, que raramente come carne. 'E tem dias que a gente não sabe nem se vai comer. Aí chega um vizinho, pergunta o que eu tenho e vai aparecendo uma ajuda daqui, outra dali', conta, mostrando a geladeira onde o pote de iogurte há muito é usado apenas para colocar água. Raimunda é vizinha da viúva Maria na comunidade Santa Lúcia 1 e compartilha com ela as incertezas agora mensuradas pelo IBGE.
O cerco à zona rural
O estudo do IBGE acaba com o mito de que, no interior, pobre não passa fome. A idéia de que basta pescar ou ir à roça buscar o alimento não afasta o fantasma da fome. Ouvidos pelo Instituto, os moradores da zona rural paraense revelaram que temem mais a fome que seus conterrâneos da cidade. Com isso, o índice de segurança na zona urbana é de 43,1%, enquanto na zona rural o índice é de apenas 33,9%.
A pesquisa revelou também que nas casas com pessoas com idade abaixo de 18 anos as famílias são mais vulneráveis à fome. Nos domicílios com pelo menos um morador menor de idade, o índice de segurança é de 58%. Entre os que não têm pessoas nessa faixa de idade, o índice de segurança é de 62,7%.
O estudo sobre a segurança alimentar realça mais uma vez a grande desigualdade social que separa as regiões Norte e Nordeste, do Sul e Sudeste do Brasil. O Nordeste se mantém na dianteira no ranking dos piores índices sociais do Brasil.
O melhor desempenho foi registrado em Santa Catarina, onde o índice de segurança no período da pesquisa chegou a 83,2%. Nosso vizinho, Maranhão, apresentou os piores resultados. Em apenas 30,9% dos lares maranhenses, os chefes consideraram improvável a possibilidade de faltar comida.
Embora esteja numa situação intermediária, a região Norte está longe dos bons índices do Sul. A surpresa foi o Estado de Roraima, que apresenta números dignos das regiões mais desenvolvidas. Lá, 70% dos domicílios se encontravam em situação de segurança alimentar. O pior desempenho ficou com Rondônia, que tem resultados próximos ao do Maranhão. Apenas 31,3% dos domicílios estão em condições de segurança alimentar.
No total, o Pará tinha 54,3% dos domicílios em situação de insegurança alimentar e, desse total, 62,8% estavam na classificação grave.
A situação vai piorando à medida que a renda cai. Nas casas, onde a renda mensal é de um quarto do salário mínimo, o percentual de insegurança chega a 93,8%. Nas famílias com renda entre dois e três salários mínimos o índice de insegurança cai para 14,7%.
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