Lúcio Flávio Pinto *
Adital -
A Polícia Militar cercou o Hangar e o manteve isolado por seis dias. Era a preparação para uma perícia exigida pelo secretário de cultura para receber o centro de convenções sem as irregularidades que diz existirem. Por trás de uma grande obra no Pará sempre há grandes interesses. Sobretudo os não declarados. É a moral da história. A então governadora Ana Júlia Carepa e o secretário de cultura, Edilson Moura, foram os convidados de honra da inauguração da cozinha industrial do Hangar Centro de Convenções, em junho de 2009. Ficaram impressionados com as instalações, capazes de fornecer 2,5 mil refeições por hora (ou até quatro mil, se necessário), 400 filés a cada 12 minutos. Com investimento de dois milhões de reais, era a melhor cozinha industrial do norte do país.
A governadora e o secretário andaram pelo local e fizeram perguntas, mas não a principal: quem autorizou a Organização Social Via Amazônia a realizar essa obra? A OS foi criada justamente para administrar o Hangar, mas só podia fazer alguma alteração com autorização do seu proprietário, o Estado, através do seu órgão competente, a Secretaria de Cultura. O contrato era apenas de gestão. Não permitia alterar as condições do imóvel, cuja planta original não previa restaurante. Quinze meses depois da festiva inauguração, a OS cobrou do Estado uma indenização no valor de três milhões de reais pelas benfeitorias que realizou no centro de convenções. Além dos R$ 2 milhões do restaurante, R$580 mil num novo auditório, R$ 268 mil na ampliação do estacionamento e R$172 mil numa climatização adicional. Total da conta: pouco mais de R$ 3 milhões. A presidente da OS, Maria Joana Rocha Pessoa, fazia a cobrança com base "no princípio da moralidade e no princípio geral da vedação do enriquecimento sem causa".
A conta foi apresentada no dia 23 de setembro do ano passado e respondida cinco dias depois pelo próprio procurador-geral do Estado, Ibrahim Rocha, a quem a questão foi diretamente repassada. Dois pareceres anteriores da Procuradoria haviam recomendado "a apuração para verificação de responsabilidades pelas eventuais ilegalidades dos contratos administrativos e da possibilidade de indenizar o contratado".
Ao invés de seguir esse entendimento, Ibrahim Rocha considerou o caso do Hangar diferente. Admitiu que o contrato da Secretaria de Cultura com a Via Amazônia "incluía tão somente o espaço Hangar", mas que a OS "estava na posse decorrente do contrato de gestão, logo, quando realizou as benfeitorias no espaço as realizou na condição de possuidora do Hangar". Entretanto, "não estava nas suas obrigações contratuais a realização de tais melhorias no imóvel".
A indenização, portanto, era indevida e até ilegal? O parecer parecia caminhar para esse desfecho. Argumentou o procurador que se para o funcionamento do centro de convenções era necessário contar com as obras que a OS realizou, o procedimento legal da proprietária do imóvel, a Secult, era abrir licitação pública para contratar uma empresa que pudesse realizar as obras "sem excluir as obrigações das empresas que construíram o Hangar, dentro do prazo de garantia da obra".
A Via Amazônia tinha direito à indenização com base numa exceção aberta pelo Código Civil (no artigo 1.202) para "benfeitorias necessárias". O construtor do Hangar Centro de Convenções e Feiras devia ter previsto originalmente a construção da cozinha industrial, de mais um auditório, da climatização adicional e de mais vagas de estacionamento (as 800 do projeto eram insatisfatórias). Todos esses itens seriam indispensáveis ao bom funcionamento do centro, conforme a OS constatou. E tanto constatou que, mesmo sem autorização e violando o contrato com a Secult, realizou as obras. Cabia ao Estado pagar e ir em cima das empresas construtoras para reaver seu dinheiro.
Por maior prudência, porém, o procurador recomendou à secretaria verificar "os motivos pelos quais não foram tomadas providências para apurar a realização de benfeitorias à revelia do órgão em bem de seu patrimônio". Mas, contraditoriamente, presumiu a boa-fé da OS, com isso autorizando a secretaria a pagar-lhe os R$ 3 milhões cobrados e a dispensando "de instaurar procedimento administrativo para verificar a conduta da OS". Ao contrário do que se podia esperar, as conclusões do parecer não casaram com as suas premissas.
O Hangar foi inaugurado quando a Via Amazônia comemorava seu 2º ano como gestora do centro. Até então, mais de dois milhões de pessoas (o mesmo publico que acompanha a procissão do Círio de Nazaré, na estatística dos seus promotores) tinham circulado pelos 24 mil metros quadrados de área construída (num espaço total de 65 mil metros quadrados), em 500 eventos realizados (média de 4 mil pessoas por evento). Em 2008, a freqüência foi 123% maior do que em 2007, primeiro ano dos petistas à frente do Estado. Tudo isso sem a existência de uma cozinha, o que prova que ela não era "benfeitoria necessária".
As três páginas que o procurador-geral do Estado gastou na busca tortuosa pela admissão de uma ilegalidade foram reduzidas a um expediente com 10 linhas, através do qual o agente jurídico de controle da Secult, Marcelino Freitas Tavares, fulminou o parecer do procurador Ibrahim Rocha. Tavares recomendou, no dia 9 de novembro, a devolução, pela presidente da Via Amazônia, Joana Pessoa, dos R$ 3 milhões que lhe foram repassados, e a "não promover nenhuma alteração" no Hangar. Em 16 de dezembro o novo secretário de cultura, Cincinato Marques, cobrou a devolução (que acabou sendo efetuada, mas apenas de R$ 2 milhões, segundo fonte do novo governo estadual).
Diante desses fatos, a especulação que se fez sobre a súbita e estranha mudança de posição é de que ela aconteceu porque Ana Júlia Carepa não conseguiu se reeleger. Se ela tivesse sido vitoriosa, provavelmente o péssimo arranjo jurídico seria mantido. Mas com a ascensão do PSDB no lugar do PT, a maquilagem não encobriria o malfeito. Ele é suficientemente desconexo para ser logo descoberto.
Com a eleição de Simão Jatene e a indicação do arquiteto Paulo Chaves Fernandes para o comando da Secult, pela quarta vez em 16 anos, era previsível que um escândalo fosse armado em torno dessa e de muitas outras irregularidades que surgiram na relação promíscua da secretaria com a Via Amazônia na gestão do Hangar.
O (mais uma vez) novo secretário, que parecia definitivamente reincorporado à atividade privada, insistiu em se oferecer para reassumir o cargo. Seu propósito é retomar o controle das obras que realizou em Belém durante seus 12 anos seguidos à frente da Secult, das quais a mais cara - e a última da série - foi justamente o Hangar. E a única dessas obras que não pôde inaugurar, embora o centro de convenções já estivesse nos arremates finais. O então governador Simão Jatene não quis fazer a festa de abertura, contrariando seu auxiliar (que ainda conseguiu promover uma visita final com gosto de solenidade).
Ciente das muitas acusações que foram feitas contra a OS e sua presidente plenipotenciária (que também foi presidente do próprio Hangar), Joana Pessoa, ex-tesoureira de campanha eleitoral de Ana Júlia, Paulo Chaves Fernandes se recusou a receber as instalações sem a apresentação da prestação de contas. Alegando que tem prazo até 28 de fevereiro para cumprir essa obrigação, Joana lacrou o Hangar e depositou as chaves em cartório. O secretário tucano reagiu requisitando tropa da Polícia Militar para ocupar as instalações do centro, mantendo-o em isolamento, que durou seis dias, até a realização de perícia para supostamente legalizar o recebimento.
Com menos emocionalismo, Paulo Chaves podia ressalvar tudo que pretende cobrar, pôr em dúvida e rejeitar o passivo sem deixar de ocupar de imediato o centro, não interrompendo o seu funcionamento regular. A principal perícia a realizar será nas contas da Via Amazônia e na apuração dos fatos.
O estardalhaço armado pelo secretário talvez tenha mais a ver com dissensões internas no novo governo. Paulo Chaves talvez pretendesse voltar com os mesmos poderes que teve nos governos anteriores do PSDB, sobretudo nos oito anos de Almir Gabriel, que referendava todos os seus atos, mesmo os mais extravagantes. Paulo acabava provocando elevação exagerada e indevida dos custos finais de seus projetos arquitetônicos, mas o valor da obra era algo com que ele não se preocupava.
Como Almir Gabriel acabou derrotado, depois de ter apoiado todos os adversários ou inimigos do candidato do PSDB (partido do qual se desligou), tornando-se ele próprio o maior desses desafetos, uma das marcas da volta de Jatene é se distinguir do primeiro governo tucano para impor a sua marca. Por ironia, para essa definição está influindo muito o ex-deputado federal Jader Barbalho.
A aproximação entre Jatene e Jader (Jatene foi secretário de planejamento no primeiro mandato de governador do peemedebista) foi a causa do distanciamento e do rompimento final dos dois tucanos, ainda que, no final da campanha para o 1º turno, Almir tenha se aliado a Jader em torno da candidatura de Domingos Juvenil, do PMDB.
Na composição da sua equipe, Jatene tentou desviar Paulo Chaves da Secretaria de Cultura exatamente para mantê-lo à distância das jóias da coroa, o circuito do Hangar-Estação das Docas-Feliz Lusitânia-Mangal-São José Liberto. Embora se declare verdadeiro servidor público, Paulo Chaves tem uma relação personalista e possessiva com os "seus" projetos (não há a mesma relação com os empreendimentos que não são de sua autoria). O jornal O Liberal anunciou várias vezes nos últimos dias que esses espaços culturais passariam da jurisdição da Secult para a órbita da Paratur e, no futuro, para uma Secretaria de Turismo a ser criada.
Dificilmente Paulo Chaves aceitaria perder esses poderes. Se foi balão de ensaio do governo ou apenas mais uma retaliação do grupo Liberal, por não ter sua vontade atendida, de vetar alguns dos nomes aprovados por Jatene para o governo, o efeito foi a adoção de uma medida intermediária. A Organização Social Pará 2.000, que cuidava dos demais espaços, incorporou o Hangar, ainda subordinada à Secult. Com a interdição por seis dias do centro de convenções, Paulo Chaves deu uma amostra do que poderia fazer se rompesse com o governo - e já tão cedo.
Pode ter tirado dividendos dessa estratégia, mas também não é improvável que seja uma vitória de Pirro. O novo governo do PSDB é muito mais híbrido e distinto dos anteriores, inclusive o do primeiro mandato de Jatene, que ainda estava sujeito às interferências do seu antecessor. Agora é nítido seu compromisso com Jader Barbalho, que ele parece disposto a sustentar, mesmo enfrentando a animosidade do grupo Liberal (pelo menos por enquanto). O personalismo e a impetuosidade de Paulo Chaves podem ser complicadores nessa política de composições. Mas não é recomendável atacá-lo ou cortá-lo neste início de gestão.
O que não deve ocorrer, porém, é a reedição das obras suntuárias que ele realizou nos 12 anos seguidos como secretário de cultura. A primeira dessas obras, da Estação das Docas, acabou saindo três vezes mais caro do que o projeto original. O orçamento do Hangar, a última das suas realizações, era de R$ 75 milhões. Quando Jatene o passou a Ana Júlia, estava por R$ 102 milhões. A governadora do PT diz que aplicou mais R$ 20 milhões para concluí-lo. Assim sendo, o acréscimo foi superior ao permitido legalmente, que é de 25% do valor original. Como em todas as obras de Paulo Chaves.
O luxo da construção, que provocou a elevação dos custos, chocou a opinião pública e esse espanto foi usado pelos petistas para atacar os tucanos, sem impedi-los, entretanto, de mudar completamente de discurso em seguida, usando intensamente o local que consideravam elitista.
O Hangar saiu pela metade do preço da Alça Viária (R$ 246 milhões), composta por 74 quilômetros de estrada pavimentada e quatro pontes, com quatro quilômetros de extensão, a maior delas, sobre o rio Guamá, tendo o maior vão livre dentre todas as pontes brasileiras. O valor do Hangar equivaleu a um terço dos R$ 343 milhões aplicados em cinco hospitais regionais implantados por Jatene no seu primeiro governo.
Todas essas obras tiveram histórias polêmicas. Por causa dos seus custos e da ênfase que receberam, foram consideradas, pelo PT, como fontes de caixa 2 para as campanhas eleitorais do PSDB. Os tucanos, por sua vez, sempre viram o monumental Hangar como a caixa de lavagem de dinheiro para o PT. Ironias da bipolarização da política paraense.
Os R$ 3 milhões finais seriam apenas mais uma das transferências de dinheiro do governo para as contas da Via Amazônia, num circuito que foi intenso durante os quatro anos de Ana Júlia, embora, oficialmente, os repasses do Estado tenham sido reduzidos de R$ 451 mil mensais, no início do contrato, para R$ 250 mil ao seu final. O principal era embutido nas transações - com sinais evidentes de superfaturamento - entre a OS e os diversos órgãos estaduais que utilizavam o Hangar como lugar cativo para suas muitas promoções.
O enredo é o mesmo, embora mudem os autores e seus discursos. Moral da história: tudo mudou; tudo vai continuar na mesma.
A governadora e o secretário andaram pelo local e fizeram perguntas, mas não a principal: quem autorizou a Organização Social Via Amazônia a realizar essa obra? A OS foi criada justamente para administrar o Hangar, mas só podia fazer alguma alteração com autorização do seu proprietário, o Estado, através do seu órgão competente, a Secretaria de Cultura. O contrato era apenas de gestão. Não permitia alterar as condições do imóvel, cuja planta original não previa restaurante. Quinze meses depois da festiva inauguração, a OS cobrou do Estado uma indenização no valor de três milhões de reais pelas benfeitorias que realizou no centro de convenções. Além dos R$ 2 milhões do restaurante, R$580 mil num novo auditório, R$ 268 mil na ampliação do estacionamento e R$172 mil numa climatização adicional. Total da conta: pouco mais de R$ 3 milhões. A presidente da OS, Maria Joana Rocha Pessoa, fazia a cobrança com base "no princípio da moralidade e no princípio geral da vedação do enriquecimento sem causa".
A conta foi apresentada no dia 23 de setembro do ano passado e respondida cinco dias depois pelo próprio procurador-geral do Estado, Ibrahim Rocha, a quem a questão foi diretamente repassada. Dois pareceres anteriores da Procuradoria haviam recomendado "a apuração para verificação de responsabilidades pelas eventuais ilegalidades dos contratos administrativos e da possibilidade de indenizar o contratado".
Ao invés de seguir esse entendimento, Ibrahim Rocha considerou o caso do Hangar diferente. Admitiu que o contrato da Secretaria de Cultura com a Via Amazônia "incluía tão somente o espaço Hangar", mas que a OS "estava na posse decorrente do contrato de gestão, logo, quando realizou as benfeitorias no espaço as realizou na condição de possuidora do Hangar". Entretanto, "não estava nas suas obrigações contratuais a realização de tais melhorias no imóvel".
A indenização, portanto, era indevida e até ilegal? O parecer parecia caminhar para esse desfecho. Argumentou o procurador que se para o funcionamento do centro de convenções era necessário contar com as obras que a OS realizou, o procedimento legal da proprietária do imóvel, a Secult, era abrir licitação pública para contratar uma empresa que pudesse realizar as obras "sem excluir as obrigações das empresas que construíram o Hangar, dentro do prazo de garantia da obra".
A Via Amazônia tinha direito à indenização com base numa exceção aberta pelo Código Civil (no artigo 1.202) para "benfeitorias necessárias". O construtor do Hangar Centro de Convenções e Feiras devia ter previsto originalmente a construção da cozinha industrial, de mais um auditório, da climatização adicional e de mais vagas de estacionamento (as 800 do projeto eram insatisfatórias). Todos esses itens seriam indispensáveis ao bom funcionamento do centro, conforme a OS constatou. E tanto constatou que, mesmo sem autorização e violando o contrato com a Secult, realizou as obras. Cabia ao Estado pagar e ir em cima das empresas construtoras para reaver seu dinheiro.
Por maior prudência, porém, o procurador recomendou à secretaria verificar "os motivos pelos quais não foram tomadas providências para apurar a realização de benfeitorias à revelia do órgão em bem de seu patrimônio". Mas, contraditoriamente, presumiu a boa-fé da OS, com isso autorizando a secretaria a pagar-lhe os R$ 3 milhões cobrados e a dispensando "de instaurar procedimento administrativo para verificar a conduta da OS". Ao contrário do que se podia esperar, as conclusões do parecer não casaram com as suas premissas.
O Hangar foi inaugurado quando a Via Amazônia comemorava seu 2º ano como gestora do centro. Até então, mais de dois milhões de pessoas (o mesmo publico que acompanha a procissão do Círio de Nazaré, na estatística dos seus promotores) tinham circulado pelos 24 mil metros quadrados de área construída (num espaço total de 65 mil metros quadrados), em 500 eventos realizados (média de 4 mil pessoas por evento). Em 2008, a freqüência foi 123% maior do que em 2007, primeiro ano dos petistas à frente do Estado. Tudo isso sem a existência de uma cozinha, o que prova que ela não era "benfeitoria necessária".
As três páginas que o procurador-geral do Estado gastou na busca tortuosa pela admissão de uma ilegalidade foram reduzidas a um expediente com 10 linhas, através do qual o agente jurídico de controle da Secult, Marcelino Freitas Tavares, fulminou o parecer do procurador Ibrahim Rocha. Tavares recomendou, no dia 9 de novembro, a devolução, pela presidente da Via Amazônia, Joana Pessoa, dos R$ 3 milhões que lhe foram repassados, e a "não promover nenhuma alteração" no Hangar. Em 16 de dezembro o novo secretário de cultura, Cincinato Marques, cobrou a devolução (que acabou sendo efetuada, mas apenas de R$ 2 milhões, segundo fonte do novo governo estadual).
Diante desses fatos, a especulação que se fez sobre a súbita e estranha mudança de posição é de que ela aconteceu porque Ana Júlia Carepa não conseguiu se reeleger. Se ela tivesse sido vitoriosa, provavelmente o péssimo arranjo jurídico seria mantido. Mas com a ascensão do PSDB no lugar do PT, a maquilagem não encobriria o malfeito. Ele é suficientemente desconexo para ser logo descoberto.
Com a eleição de Simão Jatene e a indicação do arquiteto Paulo Chaves Fernandes para o comando da Secult, pela quarta vez em 16 anos, era previsível que um escândalo fosse armado em torno dessa e de muitas outras irregularidades que surgiram na relação promíscua da secretaria com a Via Amazônia na gestão do Hangar.
O (mais uma vez) novo secretário, que parecia definitivamente reincorporado à atividade privada, insistiu em se oferecer para reassumir o cargo. Seu propósito é retomar o controle das obras que realizou em Belém durante seus 12 anos seguidos à frente da Secult, das quais a mais cara - e a última da série - foi justamente o Hangar. E a única dessas obras que não pôde inaugurar, embora o centro de convenções já estivesse nos arremates finais. O então governador Simão Jatene não quis fazer a festa de abertura, contrariando seu auxiliar (que ainda conseguiu promover uma visita final com gosto de solenidade).
Ciente das muitas acusações que foram feitas contra a OS e sua presidente plenipotenciária (que também foi presidente do próprio Hangar), Joana Pessoa, ex-tesoureira de campanha eleitoral de Ana Júlia, Paulo Chaves Fernandes se recusou a receber as instalações sem a apresentação da prestação de contas. Alegando que tem prazo até 28 de fevereiro para cumprir essa obrigação, Joana lacrou o Hangar e depositou as chaves em cartório. O secretário tucano reagiu requisitando tropa da Polícia Militar para ocupar as instalações do centro, mantendo-o em isolamento, que durou seis dias, até a realização de perícia para supostamente legalizar o recebimento.
Com menos emocionalismo, Paulo Chaves podia ressalvar tudo que pretende cobrar, pôr em dúvida e rejeitar o passivo sem deixar de ocupar de imediato o centro, não interrompendo o seu funcionamento regular. A principal perícia a realizar será nas contas da Via Amazônia e na apuração dos fatos.
O estardalhaço armado pelo secretário talvez tenha mais a ver com dissensões internas no novo governo. Paulo Chaves talvez pretendesse voltar com os mesmos poderes que teve nos governos anteriores do PSDB, sobretudo nos oito anos de Almir Gabriel, que referendava todos os seus atos, mesmo os mais extravagantes. Paulo acabava provocando elevação exagerada e indevida dos custos finais de seus projetos arquitetônicos, mas o valor da obra era algo com que ele não se preocupava.
Como Almir Gabriel acabou derrotado, depois de ter apoiado todos os adversários ou inimigos do candidato do PSDB (partido do qual se desligou), tornando-se ele próprio o maior desses desafetos, uma das marcas da volta de Jatene é se distinguir do primeiro governo tucano para impor a sua marca. Por ironia, para essa definição está influindo muito o ex-deputado federal Jader Barbalho.
A aproximação entre Jatene e Jader (Jatene foi secretário de planejamento no primeiro mandato de governador do peemedebista) foi a causa do distanciamento e do rompimento final dos dois tucanos, ainda que, no final da campanha para o 1º turno, Almir tenha se aliado a Jader em torno da candidatura de Domingos Juvenil, do PMDB.
Na composição da sua equipe, Jatene tentou desviar Paulo Chaves da Secretaria de Cultura exatamente para mantê-lo à distância das jóias da coroa, o circuito do Hangar-Estação das Docas-Feliz Lusitânia-Mangal-São José Liberto. Embora se declare verdadeiro servidor público, Paulo Chaves tem uma relação personalista e possessiva com os "seus" projetos (não há a mesma relação com os empreendimentos que não são de sua autoria). O jornal O Liberal anunciou várias vezes nos últimos dias que esses espaços culturais passariam da jurisdição da Secult para a órbita da Paratur e, no futuro, para uma Secretaria de Turismo a ser criada.
Dificilmente Paulo Chaves aceitaria perder esses poderes. Se foi balão de ensaio do governo ou apenas mais uma retaliação do grupo Liberal, por não ter sua vontade atendida, de vetar alguns dos nomes aprovados por Jatene para o governo, o efeito foi a adoção de uma medida intermediária. A Organização Social Pará 2.000, que cuidava dos demais espaços, incorporou o Hangar, ainda subordinada à Secult. Com a interdição por seis dias do centro de convenções, Paulo Chaves deu uma amostra do que poderia fazer se rompesse com o governo - e já tão cedo.
Pode ter tirado dividendos dessa estratégia, mas também não é improvável que seja uma vitória de Pirro. O novo governo do PSDB é muito mais híbrido e distinto dos anteriores, inclusive o do primeiro mandato de Jatene, que ainda estava sujeito às interferências do seu antecessor. Agora é nítido seu compromisso com Jader Barbalho, que ele parece disposto a sustentar, mesmo enfrentando a animosidade do grupo Liberal (pelo menos por enquanto). O personalismo e a impetuosidade de Paulo Chaves podem ser complicadores nessa política de composições. Mas não é recomendável atacá-lo ou cortá-lo neste início de gestão.
O que não deve ocorrer, porém, é a reedição das obras suntuárias que ele realizou nos 12 anos seguidos como secretário de cultura. A primeira dessas obras, da Estação das Docas, acabou saindo três vezes mais caro do que o projeto original. O orçamento do Hangar, a última das suas realizações, era de R$ 75 milhões. Quando Jatene o passou a Ana Júlia, estava por R$ 102 milhões. A governadora do PT diz que aplicou mais R$ 20 milhões para concluí-lo. Assim sendo, o acréscimo foi superior ao permitido legalmente, que é de 25% do valor original. Como em todas as obras de Paulo Chaves.
O luxo da construção, que provocou a elevação dos custos, chocou a opinião pública e esse espanto foi usado pelos petistas para atacar os tucanos, sem impedi-los, entretanto, de mudar completamente de discurso em seguida, usando intensamente o local que consideravam elitista.
O Hangar saiu pela metade do preço da Alça Viária (R$ 246 milhões), composta por 74 quilômetros de estrada pavimentada e quatro pontes, com quatro quilômetros de extensão, a maior delas, sobre o rio Guamá, tendo o maior vão livre dentre todas as pontes brasileiras. O valor do Hangar equivaleu a um terço dos R$ 343 milhões aplicados em cinco hospitais regionais implantados por Jatene no seu primeiro governo.
Todas essas obras tiveram histórias polêmicas. Por causa dos seus custos e da ênfase que receberam, foram consideradas, pelo PT, como fontes de caixa 2 para as campanhas eleitorais do PSDB. Os tucanos, por sua vez, sempre viram o monumental Hangar como a caixa de lavagem de dinheiro para o PT. Ironias da bipolarização da política paraense.
Os R$ 3 milhões finais seriam apenas mais uma das transferências de dinheiro do governo para as contas da Via Amazônia, num circuito que foi intenso durante os quatro anos de Ana Júlia, embora, oficialmente, os repasses do Estado tenham sido reduzidos de R$ 451 mil mensais, no início do contrato, para R$ 250 mil ao seu final. O principal era embutido nas transações - com sinais evidentes de superfaturamento - entre a OS e os diversos órgãos estaduais que utilizavam o Hangar como lugar cativo para suas muitas promoções.
O enredo é o mesmo, embora mudem os autores e seus discursos. Moral da história: tudo mudou; tudo vai continuar na mesma.
* Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário