Os revolucionários participam das eleições essencialmente para divulgar o programa socialista. Não acreditamos que será através das eleições que mudaremos o país. Mas essa é uma necessidade presente enquanto os trabalhadores depositarem esperanças na democracia burguesa, como ocorre no Brasil de hoje.
Mas neste momento existem outros motivos a mais para isso, que surgem da realidade concreta mundial e nacional. Vale enumerar aqui quatro razões principais para apresentar uma candidatura socialista à Presidência nessas eleições.
“Socialismo ou barbárie” nunca foi tão atual
Entre os ativistas de esquerda, é muito famosa a consigna “Socialismo ou barbárie”. Ela exprime a disjuntiva histórica: ou chegamos à revolução socialista ou o capitalismo nos leva para o retrocesso histórico da barbárie.
Essa é a realidade vivida pelos trabalhadores, com a perda de conquistas históricas, com salários rebaixados a níveis sub-humanos, com o desemprego crescendo fortemente. Temos 45 milhões de pessoas passando fome neste momento. Temos 92 milhões de desempregados e subempregados. Esses são elementos de barbárie na situação material dos trabalhadores.
A pandemia entrou em seu terceiro ano, e ninguém pode afirmar quando acabará. Podem vir outras cepas, ou outras pandemias. Trata-se de uma expressão da barbárie no meio ambiente , pela agressão do desmatamento das florestas que gerou a pandemia. E barbárie na saúde pública, que entrou em colapso pelas décadas de planos neoliberais.
A agressão ao meio ambiente pelo capitalismo apresenta também sinais de barbárie, com o aquecimento global já chegando a 1,2ºC em relação aos níveis pré-industriais. Os cientistas preveem a possibilidade de ultrapassarmos 1,5 ºC de aumento médio da temperatura da Terra até 2030, o que já começaria a levar a danos irreversíveis aos sistemas ecológicos. Aqui no Brasil, além das tragédias de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, provocadas pela Vale, o desmatamento da Amazônia chega muito próximo de um ponto de não retorno, cuja consequência será catastrófica.
Da mesma forma temos elementos de barbárie em relação às opressões, com chacinas da juventude negra nos bairros pobres, como foram as invasões do Jacarezinho e Vila Cruzeiro, no Rio, ou o assassinato cruel de Moïse. Cresce o feminicídio e o assassinato de LBGTs em todo o país.
Esses sinais crescentes de barbárie são produtos do capitalismo. O Brasil está em decadência, como consequência de sua submissão ao imperialismo, com um rebaixamento de sua localização na divisão mundial de trabalho. Cada vez mais deixa seu peso industrial para se deslocar para a produção agropecuária e mineral.
Essa decadência começou antes do governo atual. Bolsonaro é não só um agente ativo dessa decadência, mas também um resultado dela. Surge como expressão dessa mesma decadência, da crise da democracia burguesa, como o primeiro governo de ultradireita no país.
A decadência e a barbárie são produtos do capitalismo, e vão ter continuidade e vão se agravar com qualquer governo burguês a ser eleito em outubro, seja Bolsonaro ou Lula. Ou se rompe com a dominação capitalista ou a barbárie vai se ampliar.
O programa socialista surge dessa realidade com mais força que antes. É mais fácil hoje defender a necessidade da revolução socialista do que nas décadas anteriores, em que ainda pesava muito a campanha ideológica “o socialismo acabou”, depois da derrubada das ditaduras stalinistas do Leste europeu.
“Socialismo ou barbárie” nunca foi tão atual. E, por isso, ter uma candidatura nas eleições que apresente com força o programa socialista, de ruptura com o capitalismo, tem enorme importância.
Como derrotar?
Realmente é preciso derrotar Bolsonaro
“Temos que derrotar Bolsonaro”, esse é o grande argumento pelo qual o PT consegue ganhar a maioria dos trabalhadores e dos ativistas. E para isso vale tudo, inclusive a aliança Lula-Alckmin.
Lula vai ter, provavelmente, o apoio do PSOL, assim como de vários partidos da direita. Pode ganhar a eleição inclusive no primeiro turno. Compreendemos essa posição, defendida por muitos ativistas socialistas honestos. Afinal, Bolsonaro é odiado justamente pela maioria absoluta dos trabalhadores e da juventude.
Mas isso é só parcialmente verdade. O PT não quis e não quer derrotar Bolsonaro pela via mais importante, que é a da ação direta das massas. Por isso freou o desenvolvimento das mobilizações pelo “Fora Bolsonaro”. Isso é um erro grave, consequência da completa adesão do PT à institucionalidade burguesa.
Bolsonaro pode questionar o resultado das eleições, como fez Trump nos EUA. E pode, mesmo derrotado eleitoralmente, capitalizar no futuro o inevitável desgaste de um possível governo Lula. Voltamos a dizer que a decadência do país e os elementos de barbárie não surgiram e não vão acabar com Bolsonaro fora do governo.
Lula vai ter uma forma distinta de governar de Bolsonaro. Isso é evidente, vai ser um governo com uma cara mais amigável. Mas uma cara diferente do mesmo capitalismo. O programa de Lula, em essência, é a manutenção dos planos neoliberais, com alguma cobertura. Por exemplo, Lula defendeu a “contrarreforma” do PSOE (partido socialista) na Espanha em relação à reforma trabalhista do governo de direita anterior. Mas, na verdade, o PSOE manteve a essência da reforma trabalhista, com a precarização do trabalho e o direito da burguesia de demitir os trabalhadores por qualquer necessidade econômica.
Lula vai enfrentar uma situação econômica internacional mais grave que a de 2003, que não vai permitir um crescimento econômico como nos primeiros governos do PT. As multinacionais vão exigir ainda mais ataques aos trabalhadores. E aí vêm os avanços na tecnologia da internet 5G, a industria 4.0, a inteligência artificial, que vão gerar um desemprego ainda maior.
Ao seguir aplicando os planos neoliberais, Lula vai atacar os trabalhadores e a juventude, acabando também por se desgastar. A ultradireita pode acabar se fortalecendo novamente ao capitalizar esse desgaste. Isso está acontecendo, por exemplo, nos EUA, com Trump. Se as eleições fossem hoje, Trump ganharia com 46% contra 40% de Joe Biden. Como a direita está se fortalecendo novamente na Argentina perante o governo Alberto Fernandez, como está capitalizando o desgaste de Lopes Obrador, no México, e de Pedro Castillo, no Peru.
Lula vai tentar enfrentar a ultradireita por dentro da institucionalidade. Mas as Forças Armadas e as polícias estão divididas, com um forte setor bolsonarista. Não se pode confiar na justiça burguesa. Não vemos como isso pode ser vitorioso.
Por isso dizemos que só se pode derrotar realmente a ultradireita com as ações diretas das massas, com o movimento se preparando ativamente, através de seus organismos para a autodefesa. A democracia burguesa é incapaz de derrotar a ultradireita.
E Lula só quer derrotar Bolsonaro nas eleições, pela democracia burguesa. Pode derrotar em outubro, mas possibilitar um novo fortalecimento de Bolsonaro depois. Isso nos reafirma a necessidade de uma candidatura socialista nas próximas eleições. Não pode ser que a “esquerda” seja Lula nas eleições de outubro, quando ele defende um programa de direita.
É necessário que haja uma candidatura de esquerda com um programa socialista. Não achamos que vamos ter uma grande votação, na medida em que a ilusão em Lula é muito grande, e vai pesar o “voto útil”.
Mas afirmar uma candidatura à Presidência com um programa socialista nessas eleições será muito importante para agora e, mais ainda, para o futuro. Quando a experiência dos trabalhadores e da juventude com um possível governo Lula começar, já terá sido construída uma pequena referência de alternativa socialista. Não pode ser que deixemos que seja a ultradireita ou qualquer outra alternativa burguesa a capitalizar mais uma vez o desgaste dos governos petistas.
Contra o regime
É preciso uma candidatura socialista com um perfil por fora da institucionalidade
A eleição de Bolsonaro foi uma expressão da crise da democracia burguesa. E o grande responsável por sua vitória foi o PT. Ele foi eleito pelo rechaço dos trabalhadores aos governos do PT.
Bolsonaro também se elegeu pela desconfiança em relação à própria democracia burguesa, embora fosse um parlamentar do “centrão” há décadas. Não por acaso, ele também capitalizou a desconfiança em relação aos “políticos de sempre”, à grande mídia, Congresso etc..
A crise da democracia burguesa atual tem origem na grande e espontânea mobilização popular de 2013, que se chocou contra todos os governos, inclusive contra o governo Dilma. A juventude pauperizada nas mobilizações exigia saúde, educação e transporte “padrão Fifa”. Mas o PT deu as costas para o povo nas ruas.
Começou aí uma ruptura massiva da base com o PT, que foi se aprofundando. E começou também a crise da democracia burguesa.
Foi por esse desgaste do PT, por ter implementado os planos neoliberais, que a burguesia, depois de usar o PT por 14 anos, pôde fazer uma manobra parlamentar, com o impeachment de Dilma e a posse de Temer. O PT estava tão desgastado que não conseguiu fazer nenhum ato de massas em defesa de Dilma, nem mesmo no ABC.
O PSTU, corretamente, foi contra a manobra parlamentar que levou a posse de Temer. Defendíamos o “Fora Todos”, incluindo Dilma, Temer e o Congresso. O PT inventou a narrativa do “golpe contra Dilma” para se justificar, como se tivesse havido um golpe que mudou o regime no país. Com essa narrativa convenceu uma geração de ativistas. Mas agora se alia aos “golpistas”, desmoralizando a própria narrativa.
Até hoje, o PT demoniza as mobilizações de 2013, como se as massas nas ruas, e não o próprio PT, fossem as responsáveis pelo surgimento de Bolsonaro. Na verdade Bolsonaro capitalizou o desgaste do PT, assim como a crise da democracia burguesa.
Agora, o PT quer repetir o mesmo enredo. A aliança em 2022 não é com Temer. É ainda mais à direita, com Alckmin, um quadro tradicional da burguesia, fundador do PSDB. Um futuro governo Lula, ao contrário das expectativas dos ativistas, vai terminar em uma nova grande frustração.
Não dizemos que vai ocorrer um “novo 2013”. Mas a combinação dos novos elementos da realidade concreta está em aberto. Não sabemos em quanto tempo ocorrerá o desgaste de um futuro governo petista, nem suas consequências concretas em relação ao movimento de massas. Mas afirmamos que vai ocorrer outro desgaste do governo petista, assim como também da democracia burguesa. E por isso é necessário apresentar agora uma candidatura socialista categoricamente diferente do PT, do PSOL e dos outros partidos do regime. Não como um programa marcado por reformas limitadas, mas de ruptura com o capitalismo, em defesa da revolução socialista.
Caminho sem volta
O provável apoio do PSOL a Lula e Alckmin
O PSOL, que antes aparecia aos ativistas como um partido à esquerda do PT, anunciará em abril sua posição definitiva. O mais provável é que termine por apoiar Lula. Pode depois dar um passo a mais e entrar no governo Lula.
Isso é algo novo na história desse partido reformista. Pode estar seguindo assim o caminho do Podemos, que apoiou o governo do PSOE na Espanha e entrou em uma crise importante. Ou do Bloco de Esquerda em Portugal, que apoia o governo do Partido Socialista e vive uma grande crise, após sua derrota nas últimas eleições.
O lançamento de uma candidatura socialista revolucionária nessas eleições pode ajudar a ocupar uma parte desse espaço à esquerda do PT por uma alternativa não reformista, mas socialista e revolucionária. O Polo Socialista e Revolucionário deve lançar uma candidatura à Presidência.
O Polo, formado em 2021, conta neste momento com os militantes do PSTU, um setor do PSOL, com Plínio de Arruda Sampaio à frente, a Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST), do PSOL, o Movimento Revolucionários dos Trabalhadores (MRT), além de grupos e importantes coletivos de ativistas.
Neste momento o Polo está discutindo o que fazer nas eleições de 2022. Na nossa opinião, deve apresentar candidaturas à Presidência da República, assim como aos governos estaduais e ao Parlamento.
Parece-nos fundamental que essas candidaturas defendam um programa socialista e revolucionário, de independência de classe. Uma candidatura em alternativa à colaboração de classes, ao programa burguês da aliança Lula-Alckmin. Para esse objetivo, o PSTU propõe a companheira Vera, operária, negra e socialista.
O PT está preparando um governo mais à direita do que seus anteriores. O desgaste posterior é inevitável e pode ser mais uma vez capitalizado pela ultradireita.