27 julho 2014

Juristas reagem à criminalização das lutas sociais!

140720-Repressão
Tropa de choque da PM paulista agride professora, gratuitamente: um símbolo da tentativa de eliminar liberdades
Documento encabeçado por Fábio Konder Comparato demonstra: prisões em SP ferem liberdades civis, repetem métodos da ditadura e ameaçam a própria Constituição de 1988
Manifesto de Juristas contra a Criminalização das Lutas Sociais
É com imensa perplexidade que se divisa o recrudescimento da repressão e das tentativas de criminalização das lutas sociais pelos poderes instituídos.
Desde junho do ano passado, quando as grandes manifestações se multiplicaram a partir da luta contra o aumento da tarifa, observa-se que, longe de responder às reivindicações com propostas de concretização de direitos sociais, os agentes do PoderPúblico têm respondido com violência e tentativas abusivas de criminalização de ativistas.
Especificamente em São Paulo, lugar em que primeiro sopraram os bem-vindos ares de junho, causa extrema indignação o aparato que se organizou desde a instauração do famigerado inquérito policial 1 de 2013 no DEIC.
Como já foi amplamente divulgado1, são várias as ilegalidades percebidas nesse inquérito: 1) orientado por um explícito e inconstitucional direito penal do autor, ele é conduzido a partir de um rol de perguntas sobre a vida política das pessoas intimadas e chegou-se ao absurdo de proceder à busca e apreensão de livros na casa de alguns “investigados”; 2) no decreto de instauração, está expresso o objetivo ilegal de investigar “indivíduos (que) atuam de forma organizada com o objetivo de questionar o sistema vigente”, sem a indicação de qualquer fato específico que constitua crime; 3) a ampla maioria das pessoas intimadas para “prestar esclarecimentos” foi presa ilegalmente, sem flagrante ou qualquer acusação formal de prática de crime; 4) há infiltração de agentes em manifestações, determinada a partir do inquérito e sem autorização judicial.
Nos últimos dias, assistiu-se a duas prisões claramente forjadas2, de Fábio e de Rafael, estranhamente realizadas por policiais do DEIC, e à ameaça do Secretário de Segurança de SP de conduzir à força 22 militantes do Movimento Passe Livre ao DEIC para “prestar esclarecimentos”, apesar de eles, em todas as oportunidades em que foram intimados, já terem justificado a ausência com base no exercício do direito fundamental de ficar em silêncio.
Tais arbitrariedades estão sendo perpetradas a partir desse mesmo inquérito 1 de 2013 do DEIC, já permeado de todas as ilegalidades acima enumeradas.
Basta a mínima observância dos postulados do Estado Democrático de Direito para se posicionar pelo repúdio ao referido inquérito e a todas as arbitrariedades, ameaças e violências que vêm sendo praticadas contra a liberdade de manifestação.
Os direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição de 88 foram conquistados após muita luta e resistência contra a Ditadura que arrasou o país entre 1964 e 1985. Não é possível tolerar a naturalização de práticas ilegais de repressão e criminalização de ativistas, em claro vilipêndio ao direito constitucional de se reunir e de se manifestar.
Por essas razões, posicionamo-nos pela cessação da escalada de criminalização das manifestações, com a imediata liberdade de Fábio e Rafael, o acatamento ao direito ao silêncio e, portanto, o afastamento de medidas coercitivas, e o arquivamento do inquérito policial 1 de 2013, tudo em estrita observância dos fundamentos da República e dos direitos e garantias fundamentais inscritos nos artigos 1º e 5º da Constituição.
ASSINAM:
(Para novas adesões, escrever para: manifestodejuristas@gmail.com)
Fábio Konder Comparato, Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP
Nilo Batista, Ex-professor titular de direito penal da UERJ e UFRJ
Juarez Cirino dos Santos, Professor Doutor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Conselheiro Estadual Titular da Ordem dos Advogados do Brasil – seção do Paraná
Jorge Luiz Souto Maior, professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP
Marcus Orione, Professor da Faculdade de direito da USP
Sérgio Salomão Shecaira, professor titular da Faculdade de Direito da USP
Ari Marcelo Solon, Professor Associado da Faculdade de Direito da USP
Alysson Leandro Mascaro. Professor da Faculdade de Direito da USP.
Cristiano Maronna, advogado e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
Silvio Luiz de Almeida, advogado, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama
Luís Carlos Valois, Juiz de Direito e mestre pela Faculdade de Direito da USP
Mauricio Stegemann Dieter, Professor da Faculdade de Direito da USP.
João Batista Damasceno, doutor em Ciência Política (PPGCP/UFF) e juiz de direito (TJ/RJ). Membro da Associação Juízes para a Democracia/AJD.
Paulo Teixeira, deputado federal, advogado e mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
Fernando Castelo Branco, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará
Emilio Astuto Rocha Gomes, advogado e professor da Universidade de Munique –Alemanha
Ana Gabriela Mendes Braga, professora da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Unesp- Franca
Bruna Angotti, Membra do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos – CADHU, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Sara da Nova Quadros Côrtes, Professora da Faculdade de Direito da UFBA e Advogada.
Alex F. Magalhães, Professor adjunto IPPUR/ UFRJ
Aton Fon Filho, advogado e diretor da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Patrick Lemos Cacicedo, Defensor Público, Coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de SP
Bruno Shimizu, Defensor Público, Coordenador Auxiliar do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de SP
Verônica dos Santos Sionti, Defensora Pública e membra do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de SP
Thaísa Oliveira, Presidenta da Associação dos Defensores Públicos do Paraná (ADEPAR)
Thiago Barison de Oliveira, advogado, Diretor da Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Gustavo Seferian Scheffer Machado, Mestre e doutorando em Direito do Trabalho pela FDUSP, professor da FICS.
Marta Machado, pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, professora na mesma instituição e pesquisadora do Cebrap
Sílvio Mota, Juiz do Trabalho
Renan Quinalha, advogado da Comissão da Verdade de SP
Paulo César Malvezzi, assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional – CNBB
Carolina Diniz, advogada e coordenadora do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo
Eduardo Baker, advogado da Justiça Global
Antônio Donizete Ferreira, Advogado do Pinheirinho
Aristeu César Neto Pinto, advogado membro da Com. de Dir. Sindical da OAB/Federal
Américo Astuto Rocha Gomes, advogado membro da Fundação Sundermann
Aderson Bussinger Carvalho, advogado membro da Comissão de Direitos Humanos OAB/RJ
Sergio Augusto Pinto, membro da diretoria do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Bruno Colares Soares Figueiredo Alves, membro da diretoria do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Pablo Biondi, membro da diretoria do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Fabiana Costa do Amaral, membro da diretoria do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Isabela Blanco, advogada da CSP-Conlutas RJ
José Denis Lantuer Marques, membro da diretoria do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Ana Lucia Marchiori, Advogada e diretora do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Adonyara Azevedo, advogada do mandato da vereadora Amanda Gurgel e CSP-Conlutas RN
Tairo Batista Esperança, advogado da CSP-Conlutas SP
Julia Maria de Siqueira Eid, Advogada de presos e perseguidos da Convergência Socialista
Alberto Albiero Junior, advogado da CSP- Conlutas e do Bloco de Lulas do Rio Grande dos Sul
Denis Ometo, advogado do Sindicato dos Metalurgicos de São José dos Campos/SP
Claudio Renno, advogado do Sindicato dos Metalurgicos de São José dos Campos/SP
Irene Maestro Guimarães, advogada e membro da Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados de São Paulo
Alexandre Pacheco Martins, Advogado Criminalista
Rodolfo Valente, advogado e coordenador do Instituto Práxis de Direitos Humanos
Marcela Cristina Fogaça Vieira, advogada
Rafael Custodio, Advogado do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos
Amanda Hildebrand Oi, Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP
Daniel Adolpho Daltin Assis, Advogado popular em DDHH, com especial participação nos movimentos da luta antimanicomial e da infância e adolescência
Mariana Fidelis, advogada
Pablo Castellon, advogado
Giane Alvares, advogada
Eliana Lúcia Ferreira, advogada
Maria Livia Goes, Advogada
Luisa D´avola, Advogada
Juliana Hereda, Advogada
Adriano Galvão, Advogado Criminalista
Gabriel de Freitas Queiroz, Advogado Criminalista
Leopoldo Stefano Louveira, Advogado Criminalista
Armando de Oliveira Costa Neto, Advogado Criminalista
Juliana Machado Brito, Advogada
Caio Yamaguchi Ferreira, Advogado
Larissa Gdynia Lacerda, Advogada
Rafael Moura da Cunha, Advogado
Cleuber da Silva Junior, Advogado e mestrando da UFRJ
Bruno Salles Pereira Ribeiro, advogado criminalista
Renato Vieira, Advogado Criminalista
Marcelo Leão, Advogado
Rafael Augusto Ferreira Zanatta, advogado e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo.
Pedro Baumgratz de Paula, advogado e mestrando em Direito pela Universidade de São Paulo
Pedro Davoglio, mestre em Direito pelo Mackenzie
Luiz Guilherme da Silva Gomes Ferreira, advogado
Daniel Luiz Passos Biral, advogado
Silvia Daskal Hirschbruch, advogada
André Zanardo, advogado
Guilherme Duarte, advogado
Tabatha Alves, advogada
Igor Favano Leone, advogado
Leo Lopes de Oliveira Neto, advogado
Elaine Moraes Ruas Souza, Defensora Pública
Daniella Bonilha, advogada
Rafael Moura da Cunha, advogado
Vladimir Sampaio, advogado
Fernando Barboza Dias, Advogado Criminalista

02 julho 2014

Lei da Copa: uma afronta ao ordenamento jurídico brasileiro.


*João Clair Silveira

“O governo está permitindo que a Fifa mande e desmande, desrespeitando e humilhando o povo brasileiro, e a Lei Geral da Copa está no centro de todo esse processo”, diz advogado, que também acusa o Ministério Público de omissão   A Lei Geral da Copa é uma afronta ao povo brasileiro. O Judiciário brasileiro deveria ter exigido respeito às regras e leis já existentes, assim como à Constituição Federal, que garantem ao povo brasileiro direitos, deveres e soberania. Gostamos de futebol e o país poderia realmente ter realizado esta Copa. Contudo, não precisava alterar temporariamente nosso ordenamento jurídico como uma republiqueta de bananas de Terceiro Mundo para que a Fifa aqui realizasse os jogos. Não se demonstrou seriedade política alguma; se as leis podem ser silenciadas, suspensas ou alteradas para atender a uma instituição futebolística, como considerar este um país sério e seu ordenamento jurídico eficaz?   Criamos uma coletânea de leis de exceção, editadas em todos os níveis federativos do país, visando à execução do evento de forma a garantir o lucro da Fifa, de seus patrocinadores e de seus parceiros nacionais e internacionais, ampliando o canal de repasse de verbas públicas a particulares, flexibilizando normas legais e cerceando o espaço público brasileiro.   A Lei Geral da Copa é uma afronta ao ordenamento jurídico nacional porque, longe de proteger o interesse público, tem por base contratos e compromissos particulares, ou seja, interesses privados que vêm suspendendo leis vigentes no país durante o evento para que seus organizadores obtenham lucros além do que permite a legislação consolidada do Brasil. Além disso, a nova regra fere a Constituição Federal ao comprometer o direito de ir e vir dos brasileiros que residem nas proximidades dos estádios e serão obrigados a possuir credenciais para chegarem as suas casas.   Segundo a Constituição Federal, quanto ao direito de ir e vir, “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. A mesma Lei Geral da Copa avança sobre “leis de segurança”, “leis de isenção fiscal”, “leis de restrição territorial”, “lei penal”, “artigos sobre liberações de visto”, estabelecendo procedimentos judiciais, criminalizando atos e estabelecendo urgência para julgá-los, com validade de vigência e eficácia, mediante representação da Fifa, um verdadeiro absurdo, conforme transcrito a seguir:   “Art. 36. Os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014.”   Além disso, o artigo 13-A do Estatuto do Torcedor, que proíbe “em todo o território nacional o porte de bebidas alcoólicas em eventos esportivos”, foi suspenso até o final da Copa para que o patrocinador possa vender bebidas nos jogos. Isso é uma afronta ao Estatuto do Torcedor e à soberania nacional.   O governo está permitindo que a Fifa mande e desmande, desrespeitando e humilhando o povo brasileiro. A Lei Geral da Copa está no centro de todo esse processo e consolidará uma Copa do Mundo excludente e com graves prejuízos ao povo brasileiro. Veja-se, inclusive, que o artigo 19 determina que sejam concedidos, sem qualquer restrição, nacionalidade, raça ou credo, vistos de entrada no Brasil. Portanto, a Fifa impõe obrigações ao Brasil afrontando a legislação relativa às fronteiras e à concessão de visto. É mais um absurdo legal, colocando a União em posição de submissão à Fifa, impondo-lhe, inclusive, a responsabilidade por quaisquer danos e prejuízos em um evento privado (artigos 22, 23 e 24).   Outro descalabro restringe a liberdade de expressão e a criatividade brasileira, pois nada que envolva a Copa pode ser feito sem a autorização da Fifa. Qualquer um que utilizar os símbolos da Copa, até a imprensa, pode ser processado. Trata-se de uma afronta transformar o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em uma espécie de “bolsa de negócios privado”, abrindo caminho para abusos nas reservas de patente.   O Brasil tem que ter muito cuidado com essa lei porque, embora supostamente transitória, poderá incorporar-se definitivamente em nosso Direito, já que o atual governo não enfrenta a Fifa e pode aproveitar-se deste momento de mudança e de flexibilização das leis para perpetuá-las e perpetuar-se no poder. São leis casuísticas e perigosas. Será que nas Olimpíadas haverá novas alterações nas leis?   Exigimos respeito à Constituição Federal e às regras e às leis já existentes, que garantem ao povo brasileiro direitos e soberania. Onde está o Ministério Público, cuja função precípua é fiscalizar as leis e proteger a Constituição, que não se opõe a esse absurdo?   
* João Clair Silveira é advogado no Rio Grande do Sul. E-mail: joaoclair@psilveira.com.br. Blog: http://drjoaocailrsilveira.blogspot.com.br/ Fonte: Congresso em Foco